sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Comunicação e solidariedade: a web e a classe trabalhadora mundial

Por Steve Zeltzer
Tradução Aray Nabuco
LaborNet, publicado no GISWatch 2011

    De trabalhadores da fábrica têxtil no Egito às fábricas têxteis de Mahalla, aos trabalhadores chineses em fábricas da Honda, aos funcionários públicos de Wisconsin: redes sociais, internet e novas tecnologias de comunicação estão desempenhando um papel fundamental na ligação de trabalhadores em nível local, nacional e internacionalmente.


    Em cada uma dessas lutas o uso de mensagens de texto via celular, Twitter, YouTube e transmissões de vídeo está desempenhando um papel vital em ajudar a passar a palavra, defendendo contra a repressão e articulação com os trabalhadores em toda parte do mundo.

    A economia global e a busca por maior rentabilidade é a força motriz no desenvolvimento de tecnologia de comunicações. Linhas de produção internacionais estão ligados através da internet, e a exportação e transferência de trabalho através da rede é endêmica.

    A ampliação da cobertura pela telefonia móvel tem sido vital para aqueles que trabalham globalmente. Em 2010 existiam 4,6 bilhões de telefones celulares em serviço, que passou a 5 bilhões em 2011. Mesmo em partes da África onde apenas 5% da população tem eletricidade, trabalhadores globais, e particularmente trabalhadores estrangeiros, agora estão linkados através de seus telefones celulares.

Pioneiros

    Um dos primeiros usos da internet pelos trabalhadores para a educação e solidariedade foi o dos estivadores de Liverpool, na Inglaterra, em 1995. Os 500 trabalhadores que eram líderes locais e membros da Transport and General Workers Union (TGWU) se recusaram a atravessar a linha estabelecida para os piquetes. Esta atitude foi considerada ilegal sob as leis antitrabalhistas de Thatcher e os estivadores não apenas enfrentaram as leis governamentais, mas também a aceitação delas pela seu sindicato. Os trabalhadores tinham que quebrar o bloqueio da informação. LaborNet, em colaboração com a GreenNet, membro no Reino Unido da Association for Progressive Communications (APC), dos Estados Unidos, desenvolveram com o trabalho de Chris Bailey e Greg Dropkin o primeiro web site para apoiar as lutas globais.

    A página da web permitiu aos estivadores de Liverpool levar sua luta para os australianos, assim como para trabalhadores portuários de todo o mundo. O trabalho incluía mensagens de solidariedade e ajudou a solidificar uma campanha internacional de defesa que envolveu igualmente ações de estivadores nos Estados Unidos, Canadá e Japão contra o navio Neptune Jade.

    Uma das lições desta luta para as classes trabalhadoras foi que as leis antitrabalhistas, as restrições à solidariedade e as ações das corporações para impedir o conhecimento das lutas dos trabalhadores poderiam ser superadas utilizando-se a internet. De fato, durante o boicote ao Neptune, navio a serviço de uma empresa considerada perseguidora de sindicatos, imagens em vídeo foram providenciadas para a CNN no Reino Unido e pela primeira vez a emissora mostrou que o boicote tinha apoio internacional.

    Este uso multimídia de computadores tem sido replicado muitas vezes através da rede mundial e o crescimento das redes sociais e transmissões ao vivo fazem desta ferramenta um serviço de 24 horas por dia.

Trabalhadores temporários e comunicação

    Capitalistas também têm procurado usar a tecnologia para o controle dos trabalhadores temporários. Um documento chamado "A Revolução Beeper da Coréia" mostra como os trabalhadores eram contratados sendo bipados através de seus telefones móveis e não tinham contato com outros trabalhadores. Isto também os impediu de unirem-se e começar a se organizar. A atomização dos trabalhadores, que não estão trabalhando juntos no mesmo local como antigamente, mas apenas quando bipados ou chamado ao telefone, é um grande obstáculo à organização dos trabalhadores.

    Este é especialmente o caso com o uso de trabalhadores temporários em nível global, como na Espanha e outras partes da Europa, bem como na Coréia, onde 30% ou mais da força de trabalho são temporários. No Japão, onde estes trabalhadores, na sua maioria jovens, são chamados Freeta, a sua marginalização através de seu isolamento é uma política consciente das corporações e governo. Eles têm feito isso através da desregulamentação e de leis antissindicais, que inibem a sindicalização e a ação coletiva.

Vigilância

    Em um documento chamado "Trabalhadores sob vigilância e controle" ("Workers Under Surveillance and Control: Background"), apresentado pelo professor coreano Kang Soo-dol, da Universidade da Coreia na Terceira Conferência Anual Internacional de Trabalho com Mídia de Seul (Third Annual Seoul International Labor Media) de mídia em 2001, foi salientado que este meio de controlar e utilizar o trabalho era extremamente ligado ao uso de tecnologias digitais e de comunicação.

    O grande temor do capital é que através de seu poder coletivo, o trabalhador irá se recusar controle de gestão e ameaçar o seu poder para governar. Este medo foi confirmado na greve geral de 1997 na Coreia do Sul, quando a jovem Confederação Coreana de Sindicatos (KCTU) liderou uma greve geral, em parte através do uso de redes de computadores. Na segunda edição da conferência em Seul, foram apresentados relatórios sobre o uso pelo Sindicato dos Metroviários de Seul de um grupo de usuários de computador (CUG) para ajudar a organizar a greve geral. Sindicalistas relataram que tinham que ir de metrô para realizar a greve, e fez isso através do uso de redes de computador para manter a comunicação aberta na greve bem sucedida. Esta foi também a primeira greve geral em que os trabalhadores usaram de vídeo para documentar o movimento em todo o país com o desenvolvimento de uma estação de trabalho em vídeo.

Festivais de trabalhadores

    O crescimento do LaborFests, festival de cinema dedicado à classe operária, e de outros festivais de cinema e vídeo, também se tornaram uma ferramenta para a expansão da comunicação e do conhecimento sobre o trabalho e as lutas democráticas dos trabalhadores em todo o mundo. O LaborFest, primeiro em San Francisco em 1994, agora se expandiu internacionalmente, com festivais de cinema na Turquia, Coréia, Japão, Argentina, África do Sul e outros países. Estes vídeos também podem ser transmitidos ao vivo e o desenvolvimento de um canal internacional de vídeo do trabalho na internet e TV a cabo seria um poderoso veículo para a construção da solidariedade e o incremento da educação.

    O uso de uma variedade de tecnologias de comunicação nas lutas do trabalho é uma lição vital da nova era das telecomunicações. Este foi também o caso com os trabalhadores egípcios de Mahalla que usaram seus celulares para organizar suas ações e superar o controle governamental da informação. Como sugerido, o uso de telefones celulares tornou-se um veículo histórico para os trabalhadores e das lutas dos povos em todo o mundo. Hoje, os trabalhadores de Mahalla não apenas usam seus telefones móveis para a mobilização, como também sites de redes sociais, como o YouTube, para divulgar seus planos de ação.

Papel fundamental

    Outro relatório, elaborado por Hossam El-Homalawy, um jornalista e ativista, mostra como o papel do telefone celular e redes de computadores foi fundamental na construção do movimento operário no Egito - e de fato levou à fundação do movimento de massas que tirou Mubarak do poder. 

    Telefones celulares também têm o potencial de serem usado para espionar os trabalhadores e para impedir a sua luta por união pelos direitos trabalhistas. O caso mais chocante é também na Coréia, onde os trabalhadores da Samsung tentavam se organizar. Eles conversaram com seu advogado para saber seus direitos e quando voltaram para a fábrica, seu chefe repetiu palavra por palavra o que tinham conversado. Seus telefones haviam sido usados pela virulentamente anti-trabalhista Samsung para rastrear suas localizações e gravar o seu encontro privado com o advogado.

    Novamente, o trabalho de mídia independente do movimento foi capaz de produzir um vídeo sobre como os telefones móveis estão sendo utilizados contra os trabalhadores. Baseado em Seoul, o Laboratório de Produção de Notícias fez um documentário chamado de "Big Brother Está Olhando: O Outro Lado da Samsung" (2006), que também foi exibido para os trabalhadores de todo o mundo, incluindo na Turquia, Argentina e EUA.

Rastreando trabalhadores na internet

    Outro uso perigoso das novas tecnologias de comunicação é o uso da internet no rastreamento de ativistas sindicais e seus organizadores, bem como de trabalhadores doentes ou feridos, para permitir que seus empregadores recolham informações que irão ajudá-los a rescindir os seus contratos. Hoje, tudo que é feito na internet permanece no mundo da internet. Ações, incluindo assembléias trabalhistas, greves e outras atividades estão sendo gravadas tanto pela grande mídia, quanto pelos jornalistas independentes e este material, uma vez postado, é rastreável em um nível global.

    Inteligência artificial desenvolvido pela Google e outras corporações agora está sendo aproveitada para coletar e analisar, de forma eficaz, dados das pessoas para determinar sobre o que eles estão interessados visando a venda futura de produtos. Isto inclui editoras como a Amazon e outras empresas de consumo on-line. As informações sobre os livros que você compra ou olha nos sites agora estão sendo captadas por empresas privadas que têm interesses particulares. E alguma desta informação torna-se pública. Para saber se um trabalhador está buscando livros sobre a história do trabalho, por exemplo, você poderia fazer uma busca sob as leis dos EUA e outras leis em todo o mundo.

Digitalização da indústria da saúde ameaça os direitos à privacidade

    Em um mundo com controle privado dos tratamentos de saúde, este é especialmente o caso com a digitalização de prontuários médicos por empresas privadas e os capitalistas, que procuram limitar suas obrigações. Um poderoso exemplo disso é o recente caso do Sistema Único de Saúde Adventista. A trabalhadora em TI Patricia Moleski foi destacada pela empresa para excluir os registros eletrônicos de trabalhadores lesionados para negar compensação trabalhista devida a eles. Ela também foi ordenada a excluir registros de mortes e outras práticas ilícitas, operação que seria atribuída a uma falha de computador. A falha em ter gravações de segurança (backups) em um sistema médico eletrônico e a falta de qualquer regulamentação série pode potencialmente permitir a manipulação em massa de informações, ameaçando os direitos humanos básicos de trabalhadores e pacientes.

    O desenvolvimento da tecnologia das comunicações e da digitalização de nossa sociedade tem, geralmente, deixado organizações trabalhistas para trás, apesar do trabalho que tem sido feito. A maioria dos sindicatos no mundo não fazem treinamento de mídia e não educam os seus membros no uso da tecnologia e sobre os perigos que representam para os seus sindicatos e público. Questões da neutralidade da rede e apelos para uma mídia forte e independente que iria apoiar causas dos trabalhadores geralmente não são abordadas.

Uso das tecnologias pelos trabalhadores cresce em todo o mundo

    O potencial para a organização dos trabalhadores através da tecnologia está crescendo em nível mundial. Trabalhadores da IBM, que são pró-sindicato, têm se organizado e lutas importantes foram desenvolvidas em torno da liberdade de informação.

    Ken Hamidi, um funcionário da Intel que instalava sistemas, foi ferido quando dirigia durante o trabalho. Ele continuou a trabalhar até não poder mais fazer o serviço, se queixando de problemas de saúde crescentes. A Intel se recusou a cuidar de sua lesão e, como resultado, Hamidi formou uma organização de funcionários e ex-funcionários chamada FACE (Former and Current Employees of Intel). Ele foi provido por um defensor da causa com os endereços de e-mail de mais de 30.000 trabalhadores e enviou mensagens para funcionários da Intel em todo o mundo. Para esta ação, a Intel foi à Justiça e obteve uma liminar acusando Hamidi de ter invadido um 'bem móvel' por enviar as mensagens. Com o apoio da federação dos sindicatos do comércio dos EUA, da Fundação Fronteiras Eletrônicas, bem como da LaborNet, Hamidi foi bem-sucedido em derrotar este esforço para reprimir a sua liberdade de expressão. O esforço para evitar que trabalhadores e sindicatos enviem e-mail para seus colegas de trabalho e obtenção de informações através do correio eletrônico foi frustrado.

    A luta para defender os trabalhadores que fazem a tecnologia é fundamental. As condições brutais enfrentados pelos trabalhadores da Foxconn, na China, está levando a muitos suicídios e mostram a verdadeira história por trás de iPhones e outras novas ferramentas de comunicação. Trabalhadores e defensores dos direitos humanos têm se mobilizado nacional e internacionalmente para exigir justiça para esses trabalhadores.

Termo anti-suicídio

    A Foxconn ainda procurou forçar os trabalhadores a assinar documentos prometendo que não iriam cometer suicídio, trabalho feito em conjunto com a federação sindical governamental (ACFTU) em 2006. Mas isso significa muito pouco quando se trata das condições dos trabalhadores na planta da fábrica, onde estão em situação similar a escravos, que continuaram as mesmas sob o novo "acordo de união".

    Isto não quer dizer que as condições dos trabalhadores, mesmo em empresas de tecnologia como o Google, são apropriadas. Os funcionários do Google são separados por emblemas coloridos e os de nível inferior são discriminados na empresa em razão da cor do crachá que eles usam. Um ex-cinegrafista do Google declarou:
 "Falando por mim, o que me preocupa é que há, aparentemente, uma classe de trabalhadores (amarelos) para os quais são negados privilégios que são dados a outros trabalhadores de natureza equivalente não-qualificados ou temporário (vermelhos)... A única diferença entre essas duas classes de trabalhadores são a natureza exata de seu trabalho (de digitalizadores versus, por exemplo, zeladores), e sua origem racial mestiça. Na minha opinião, nenhum desses motivos é um motivo legítimo para retirar um privilégio, como transporte gratuito para um grupo, enquanto garantem esta mesma concessão para o outro grupo. Você, é claro, pode não concordar." [Andrew Norman Wilson gravou a segregação de trabalhadores no Google; assista

Trabalho usando a mídia social: A espada de dois gumes

    Não há dúvida de que a mídia social se tornou ferramenta vital na proteção dos direitos democráticos e de trabalho. Estas ferramentas têm ajudado a articular sindicalistas e militantes de direitos humanos em todo o mundo. Ao mesmo tempo, no entanto, os trabalhadores estão sendo demitidos por seu chefe por colocar material sobre o seu trabalho em sua página do Facebook em seu tempo livre.

    Em um caso recente na Junta Federal de Relações Trabalhistas, nos EUA, o conselho decidiu que as ações de cinco trabalhadores que haviam sido demitidos por usar o Facebook para divulgar más condições de trabalho não eram motivo de demissão.

    Este esforço por parte dos empregadores e empresas para silenciar os seus trabalhadores que usam o Facebook e a internet está crescendo.

    Em um caso recente no Reino Unido, a UK Uncut informou que o Facebook havia retirado ilegalmente material e procurou mudar as páginas dos trabalhadores.

    Além disso, os governos têm procurado fechar sites de organizações trabalhistas e de direitos civis "em muitos países em todo o mundo, incluindo o desligamento da internet no Egito durante a recente revolta. Isso provavelmente vai acontecer novamente, como movimentos de massa que buscam romper o bloqueio de informação. A probabilidade disso ser feito na maioria dos países industrializados, porém, é muito pequena, pois o desligamento da internet resultaria na paralisação completa de toda a economia. Nos EUA e na Europa, o fechamento da internet seria praticamente fechar a economia mundial das companhias aéreas para todas as transações financeiras. Esta seria, obviamente, um cenário apocalíptico para os governos, que têm contemplado estas táticas para silenciar os críticos que usam a internet.

Ataques

    Isso inclui ataques a órgãos de comunicação independentes e, novamente na Coréia, a supressão de grupos independentes de mídia, como MediAct trouxe solidariedade internacional e protestos. A APC fez até uma campanha internacional para defender essa comunidade 'media center'. 

    O crescimento mundial de plataformas de trabalho independente da mídia levou a exemplos significativos e poderosos do uso de streaming para defender as lutas dos trabalhadores. Sendika.org, um projeto da LaborNet Turquia, apoiou a greve de fome por trabalhadores demitidos da Tobacco Tekna, em Istambul, e ao vivo mostraram a greve e entrevistaram os trabalhadores sobre por que eles estavam sem trabalhar. A transmissão ao vivo chegou a um público internacional e a solidariedade foi expressa através de mensagens de texto SMS.

    Esta foi uma expressão concreta de solidariedade internacional para a sua greve de fome e mostrou como os trabalhadores podem ligar-se diretamente. Vídeos sobre essas lutas também foram transmitidos em todo o mundo, incluindo o entitulado "O Vento Sopra dos Trabalhadores".

Pizza do Egito na luta em Wisconsin: A revolução será televisionada?

    O exemplo mais recente das mídias sociais na luta de trabalhadores foi uma grande batalha em Wisconsin para defender os funcionários públicos contra os ataques do governador Scott Walker. Enquanto trabalhadores e estudantes ocupavam o prédio do Capitólio, os defensores do trabalho e da comunidade estavam usando tweets para angariar alimentos e outros suprimentos. Dezenas de milhares de trabalhadores foram mobilizados minuto a minuto para apoiar o piquete através do uso do Twitter e outras mídias sociais, incluindo transmissão ao vivo por smartphones. [O uso do smartphone para transmitir as lutas dos trabalhadores diretamente em seus websites pode ser feito com o www.ustream.com e outros servidores.] Houve também uma explosão de vídeos de músicas temáticas, dando uma expressão cultural importante para essa luta, incluindo a música "Cidade União" (clique e assista).

    Quando alguém no Egito ajudou a comprar uma pizza para os trabalhadores que ocupavam o edifício do Capitólio, nos Estados Unidos, os trabalhadores souberam que suas lutas estavam cruzando todas as fronteiras de uma forma que era impossível no passado.

    A digitalização do mundo e a crescente conscientização da classe trabalhadora mundial sobre como essas ferramentas de comunicação e mídia pode ser usada para construir os seus sindicatos e obter apoio para seus direitos democráticos só vai crescer no futuro. O desenvolvimento de um poderoso movimento de massas da classe trabalhadora mundial oferece o potencial para mudar a dinâmica fundamental de quem controla e faz girar o mundo e essas ferramentas são fundamentais para este desenvolvimento.

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