Grupo Tortura Nunca Mais restitui ao país arquivos sobre tortura, que estavam em Chicago e Genebra. Gesto realça absurdo de manter sigilo indefinido de atos públicos.
Por Rodrigo Vianna e Juliana Sada, no blog do Escrevinhador
Documentos relativos à ditadura militar serão entregues hoje às autoridades brasileiras, em um ato que marca a repatriação desses documentos ao país e expressa o desejo de instalação da Comissão da Verdade e de que se cumpra a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos e se investigue os crimes da ditadura.
Os documentos que chegam ao Brasil estavam em Chicago e Genebra e fizeram parte do projeto Brasil: Nunca Mais, que revelou o que ocorria nos porões da ditadura, causando forte impacto na sociedade. Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/SP, explica que esse levantamento foi possível por meio de fotocópias feitas dos processos que estavam no Superior Tribunal Militar: “envolvendo uma equipe de mais de 30 pessoas, levantou-se clandestinamente, entre 1979 e 1985, as denúncias feitas em juízo por 1843 pessoas e dentre estas denúncias, consolidou-se uma lista de 444 agentes do estado envolvidos em crimes de lesa-humanidade durante o período”.
Este trabalho foi responsável pela adesão do Brasil à Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou castigos cruéis, desumanos ou degradantes da ONU. O projeto Brasil: Nunca Mais digital é fruto de uma parceria do Armazém Memória, Arquivo Público do Estado de São Paulo e Ministério Público Fedral. E tem como apoiadores o Conselho Mundial de Igrejas, Center Research Libraries, Instituto de Políticas Relacionais e OAB-RJ.
Em entrevista ao Escrevinhador, Zelic conta mais sobre o projeto e adverte que se Dilma concordar com o “sigilo eterno” para alguns documentos, “mostrará que está refém de sua base aliada, e construindo sua sustentação em cima de forças políticas que não possuem compromisso com os direitos humanos, com os tratados internacionais que fazem parte de nosso ordenamento jurídico”.
Porque é importante trazer esses microfilmes de volta ao Brasil?
A documentação do projeto Brasil: Nunca Mais ficou com acesso local na Unicamp desde 1987, através do acervo em xerox que foi produzido com mais de um milhão de páginas. Entretanto, em 2010, em diligência realizada pelo Ministério Público Federal constatamos que, ao longo dos anos depoimentos importantes estavam faltando no acervo. A partir desta constatação, partimos, o MPF e o Armazém Memória, para consolidar a repatriação dos arquivos de segurança em microfilmes guardados em Chicago e agregá-los ao conteúdo já digitalizado pelo Armazém Memória em 2005 , só que criando uma página comum para todas as instituições.
A documentação do projeto Brasil: Nunca Mais ficou com acesso local na Unicamp desde 1987, através do acervo em xerox que foi produzido com mais de um milhão de páginas. Entretanto, em 2010, em diligência realizada pelo Ministério Público Federal constatamos que, ao longo dos anos depoimentos importantes estavam faltando no acervo. A partir desta constatação, partimos, o MPF e o Armazém Memória, para consolidar a repatriação dos arquivos de segurança em microfilmes guardados em Chicago e agregá-los ao conteúdo já digitalizado pelo Armazém Memória em 2005 , só que criando uma página comum para todas as instituições.
A repatriação destes microfilmes irá:
1- Recompor para a pesquisa a íntegra de um dos mais importantes projetos desenvolvidos na área de direitos humanos no Brasil;
2- Agilizar as pesquisar por estar agora em suporte digital, lincado ao Relatório BNM, que é também um índice para pesquisar nos processos e garantir um acesso amplo à sociedade brasileira através do Brasil Nunca Mais Digital, site que será hospedado no próprio Ministério Público Federal, com o trabalho de digitalização que será realizado pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo;
3- Possibilitar a integração desta memória histórica com a totalidade da rede de ensino pública e privada, uma vez que nestes 26 anos de acesso, a ênfase de pesquisa se dá para as universidades e ainda com predominância de pesquisadores de alguns estados do país. Desta forma poderemos ter com este trabalho a criação de um suporte para professores e alunos dos ensinos médio e fundamental estudarem parte da história do Brasil e também dar condições para que as universidades brasileiras em todos os estados, possam conseguir duplicatas da totalidade do acervo para consulta local.
Todo esse material não esta no STM? Não se tem acesso a esse material na Justiça Brasileira?
Segundo Dom Paulo Evaristo Arns cerca de 93% dos processos que chegaram ao STM foram copiados e fazem parte do acervo do projeto BNM. Vimos durante a eleição para presidente em 2010 que o STM negou acesso à Folha de São Paulo ao processo de Dilma Rousseff. A decisão de não abrir naquele momento as informações, via acervo do STM, foi contestado pelo jornal que depois da eleição veio a obter por liberação judicial aos documentos que queria. O que não deu para entender é porque o jornal ficou batendo na tecla do STM, se toda a documentação que desejava estava, como sempre esteve nos últimos 26 anos, disponível a consulta na UNICAMP em Campinas e também em Chicago sem restrição alguma à consulta.
Segundo Dom Paulo Evaristo Arns cerca de 93% dos processos que chegaram ao STM foram copiados e fazem parte do acervo do projeto BNM. Vimos durante a eleição para presidente em 2010 que o STM negou acesso à Folha de São Paulo ao processo de Dilma Rousseff. A decisão de não abrir naquele momento as informações, via acervo do STM, foi contestado pelo jornal que depois da eleição veio a obter por liberação judicial aos documentos que queria. O que não deu para entender é porque o jornal ficou batendo na tecla do STM, se toda a documentação que desejava estava, como sempre esteve nos últimos 26 anos, disponível a consulta na UNICAMP em Campinas e também em Chicago sem restrição alguma à consulta.
No Brasil quando se trata de arquivos referentes ao período de 1964-1985, existe dois pesos e duas medidas para garantir o acesso aos documentos públicos.
Que tipo de informação há nesses arquivos? São quantos processos?
Os 707 processos que compõe o Brasil: Nunca Mais é um material de época e deve ser olhado e pesquisado com critério e cuidado. Seu conteúdo é de produção policial e portanto sujeito a distorções, calúnias e mentiras, contra-informação e etc… Na maioria dos casos conseguidas a partir de tortura.
Os 707 processos que compõe o Brasil: Nunca Mais é um material de época e deve ser olhado e pesquisado com critério e cuidado. Seu conteúdo é de produção policial e portanto sujeito a distorções, calúnias e mentiras, contra-informação e etc… Na maioria dos casos conseguidas a partir de tortura.
Ao mesmo tempo possue as negações em juízo de brasileiros e brasileiras que enfrentaram à época o sistema repressivo e denunciaram perante uma corte o que passaram e/ou o que outros passaram nos porões da ditadura. Alguns voltaram a ser torturados pelas denúncias que estão registradas nestes processos.
Muitas são as declarações em juízo em que as pessoas negam aquilo que lhes são atribuídas nas primeiras fases dos inquéritos policiais e relatam o que de fato ocorreu. Por isso é importante o estudo dos processo atrelados ao Relatório Brasil Nunca Mais, pois funciona como um guia, como um índice, e é fruto de um levantamento criterioso de que tipo de informação tem relevância nos processos.
O material ficará sob a guarda de quem? Como pode ser utilizado?
Além dos microfilmes também serão repatriados o acervo reunido na sede do Conselho Mundial de Igrejas, que fica em Genebra. Esta sim, é uma documentação inédita no Brasil e contém os bastidores da realização do projeto Brasil: Nunca Mais, com cartas, documentos sobre o que se passou nesta época e denúncias que chegavam em Genebra através das igrejas membros do CMI.
Além dos microfilmes também serão repatriados o acervo reunido na sede do Conselho Mundial de Igrejas, que fica em Genebra. Esta sim, é uma documentação inédita no Brasil e contém os bastidores da realização do projeto Brasil: Nunca Mais, com cartas, documentos sobre o que se passou nesta época e denúncias que chegavam em Genebra através das igrejas membros do CMI.
Tanto os realizadores como os parceiros que apoiam o Brasil Nunca Mais Digital receberão um HD externo com uma cópia digital integral do trabalho realizado, contendo todo o material já disponivél no Armazém Memória mais a íntegra dos 707 processos e a documentação do CMI. Os 543 rolos de microfilmes ficarão no Arquivo Público do Estado de São Paulo e o Arquivo Nacional irá fazer uma cópia do conjunto.
De que forma esse fato pode ajudar no debate para instalação de uma autêntica Comissão da Verdade sobre a ditadura?
O projeto Brasil: Nunca Mais já tabulou e publicou estas informações em 1985. O Brasil Nunca Mais Digital faz com que a Comissão da Verdade não parta do zero, pois como disse acima existem 1843 depoimentos já analisados e uma lista de 444 agentes públicos envolvidos em tortura, que conforme frisou Luiz Eduardo Greenhalgh em seu depoimento ao Armazém Memória , nenhum nome listado no Quadro 103 foi contestado.
O projeto Brasil: Nunca Mais já tabulou e publicou estas informações em 1985. O Brasil Nunca Mais Digital faz com que a Comissão da Verdade não parta do zero, pois como disse acima existem 1843 depoimentos já analisados e uma lista de 444 agentes públicos envolvidos em tortura, que conforme frisou Luiz Eduardo Greenhalgh em seu depoimento ao Armazém Memória , nenhum nome listado no Quadro 103 foi contestado.
A Comissão da Verdade tem antes mesmo de ser instalada informações suficientes para realizar um trabalho sério e aprofundá-lo, necessitará de vontade política para não cair no vazio.
A Presidenta Dilma teria manifestado concordância em manter determinados fatos sob sigilo “eterno”? O que acha disso? Se Dilma, que sofreu com a ditadura, parece encampar essa tese, como crer que esse processo de esclarecimento possa avançar?
Rodrigo, o sigilo eterno posto pelo governo brasileiro às vésperas de se instalar a Comissão da Verdade é um grande retrocesso, na verdade mais um, pois a Comissão da Verdade foi esvaziada de suas funções definidas na XIII Conferência Nacional de Direitos Humanos, já no fim do Governo Lula. O erro grave desta decisão do governo é que tromba de frente com a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil na ação movida pelos familiares dos guerrilheiros e guerrilheiras do Araguaia, ao impedir que a verdade venha a tona e os arquivos sejam conhecidos pelo sociedade.
Se a presidenta Dilma Rousseff manter esta posição mostrará que está refém de sua base aliada, e construindo sua sustentação em cima de forças políticas que não possuem compromisso com os direitos humanos, com os tratados internacionais que fazem parte de nosso ordenamento jurídico. Todos os setores da sociedade perdem com isso.
A Comissão da Verdade é somente um elemento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos a se cumprir. Ela pode estar sendo usada como cortina de fumaça para esconder da sociedade brasileira a ausência de determinação política para executarmos aquilo que devemos fazer em relação a este passado recente e que está retaratado na condenação que sofremos como nação.
O Brasil Nunca Mais Digital é passo para reforçarmos enquanto cidadãos esta decisão e fortalecermos a justiça de transição no país. O cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos em sua condenação ao Brasil é o que importa e é o que menos se fala. Assim o caminho para avançarmos rumo a uma sociedade que supere definitivamente os fatos ocorridos entre 1964-1985, é a sociedade se posicionar e exigir: CUMPRA-SE.
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