quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Fernando Morais e os ecos de uma história que não acabou


    Fernando Morais, autor de Os Últimos soldados da Guerra Fria, estará presente no próximo dia 20, às 19h, Faculdade Paulista de Comunicação (Fapcom), para o debate Os 5 cubanos ignorados pela mídia. O evento é promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Barão de Itararé, revista Fórum e Fora do Eixo.
O autor também é o principal entrevistado da edição 103 de Fórum, nas bancas a partir desta semana. Leia abaixo alguns trechos da entrevista que não foram publicados e confira a íntegra na edição impressa.
 O fazer do livro

    Todas as entrevistas foram feitas por mim. Aliás, há muito tempo que não fazia um livro com todas as entrevistas feitas por mim. O do Paulo Coelho, acho que tiveram duzentas entrevistas, mais ou menos. Não dá para fazer todas. E algumas inclusive eu nem tinha como fazer, por exemplo, queria entrevistar o editor dele no Irã, uma história engraçadíssima. Até conseguir um visto de entrada para lá e viajar para fazer uma entrevista... Daí, olhei no jornal e estava o Lourival Sant’Anna fazendo matéria em Teerã, mandei um email para ele perguntando se ele não queria fazer um freela para mim. Fiz isso com ele e com vários outros.

    Já esse livro não, agi na base do egoísmo, porque todos os personagens eram tão bons que eu não tinha coragem de delegar, por mais caro que fosse, viajava de novo. No fim, usei muito Skype, mas só para cobrir buracos. Quando tinha uma informação que não batia com um dado que eu tinha, entrava no Skype para confirmar os dados, as informações que me deixavam dúvidas, e também para fazer algumas entrevistas pequenas que faltavam, mas fiz tudo sozinho.

Romance-reportagem ou reportagem?

   Classificaria  [Os Últimos soldados da Guerra Fria] como reportagem, pois se disser que é romance corro muito o risco de acharem que tem ficção, e não tem. Diria que é um jornalismo literário. Não tem liberdade literária, liberdade dramatúrgica aqui. Por exemplo, alguém me perguntou: "Poxa como é que você sabia que o camarada usava mochila e cueca da mesma marca?" E eu disse: “ué porque ele me contou, está aqui na fita”. Tem aquela cena em que ele desabotoou as calças, e a calça e a cueca caíram, perguntei para ele como a cueca havia caído, se hoje em dia usam essas cuecas apertadinhas, e ele falou: “Eu uso cueca de pano de determinada marca, na época quase tudo meu era desta marca, a mochila, os óculos, o boné etc...” Um detalhe desses é uma coisa muito simples, mas quando a pessoa não fala eu pergunto.

Abertura em Cuba

    Eles não podem abrir, do ponto de vista fiscal, porque da noite para o dia vai ter cassino, então é um negócio que iria contrariar cinquenta anos de esforços. Tem um famoso outdoor em Havana que diz “Esta noite duzentos milhões de crianças vão dormir na rua e nenhuma delas é cubana”. Acabou de sair um índice, ano passado, sobre as taxas de mortalidade infantil e, de acordo com os dados da ONU, de cada mil crianças nascidas vivas, em Cuba morrem 4,5; nos Estados Unidos, morrem 5. No Brasil, morrem 22. No estado de São Paulo, 11 morrem. Esse negócio da mortalidade infantil é um dado muito significativo porque pode se fazer o cálculo na ponta do lápis de quantas vidas foram poupadas. Também existem problemas, o problema habitacional é grave, por exemplo, você vai à zona velha de Havana, há cortiços, tem problemas, mas não tem gente descalça, não tem gente banguela, não tem analfabetos.

Como fazer livros com temáticas tão distintas

    É uma coisa meio esquizofrênica, meio bipolar. Para você ter uma ideia, quando eu estava fazendo a biografia do Paulo Coelho, tinha uma história, já tinha feito a pesquisa, só faltava escrever. Não tem nada a ver com ele, era a história do Marechal Montenegro, que criou o ITA, o Correio Aéreo Nacional. Escrevi a biografia de Montenegro enquanto estava fazendo a pesquisa sobre o Paulo Coelho, então esse sim era um negócio esquizofrênico. Você sai da maconha em 1968, do Raul Seixas e tal, e pula para a Revolução de 1930.

    Em alguma medida consigo fazer isso, preferia não fazer, mas é um pouco por causa do tempo que passei dentro de redação de jornal, em que hoje você está cobrindo política, e amanhã está cobrindo variedades. Acho que isso me ajuda a não ficar louco, porque é uma piração misturar coisas, misturar arquivos, mas as pessoas vão adquirindo naturezas ao longo da vida, e o trabalho é uma das formas de incorporar naturezas novas. Uma das naturezas que eu incorporei foi essa.

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