Os processos de desregulamentação, transnacionalização e oligopolização
das últimas quatro décadas foram cruciais para o desenvolvimento dos
conglomerados de comunicação. O fenômeno da globalização, na contramão
das afirmações dos pesquisadores mais otimistas, não é uma questão
resolvida nos planos da comunicação e da cultura. Ao contrário,
encontra-se em plena ascensão, a partir dos novos modelos de negócio que
fomentam ambientes de poucas companhias mundiais difundindo cultura
para amplas audiências. Mas o atual momento apenas foi possível a partir
de movimentos fundamentais, tais como a privatização, que implica a
transferência de ativos detidos pelos setores públicos para investidores
privados e a conversão de organizações públicas em companhias privadas;
a liberalização, a partir da permissão da entrada de novas operadoras
nos mercados, anteriormente monopólios ou dominados por mais de um
operador; e a comercialização, que constitui no o alargamento da esfera
do mercado da cultura e da comunicação.
Na microesfera destas questões encontra-se a “cultura em latas”, ou
“enlatados”, no senso comum, termo que se refere aos produtos importados
e exibidos na televisão. Foram muito populares durante os primeiros
anos deste mercado, frente à necessidade de preenchimento das grades de
programação, carência de mão-de-obra especializada e dificuldades
financeiras de um mercado então em fase de organização. Mais
recentemente, na segunda metade dos anos 90, começaram a ganhar fôlego
os formatos transnacionais. O exemplo mais expressivo é o dos reality shows,
um produto audiovisual que pretende retratar a realidade como ela é,
especialmente de pessoas anônimas, como o mais comum dos
telespectadores. Para isso são simuladas situações que se aproximariam
do cotidiano, ou de uma construção (ilusória) da realidade. A vantagem
da exibição deste tipo de produto é que possuem baixos custos e, de modo
geral, bom retorno comercial e de audiência.
Trata-se de uma estratégia que não é exclusivamente implementada por
emissoras comerciais brasileiras, mas também educativas e
universitárias. O telespectador que sintoniza o sinal da TV Cultura de
São Paulo, por exemplo, depara desde março de 2012 com a elevação dos
títulos internacionais, substituindo produções brasileiras. É o caso da
série Doctor Who, produção inglesa de ficção científica que
deve perdurar durante seis temporadas, produzidas entre os anos de 2005 a
2011. Outra produção, Eu e Os Monstros narra a história da uma
família que migrou da Austrália para o Reino Unido. Com a temática de
“monstros no porão”, a produção busca tratar sobre aceitação das
diferenças.
Globalização, ontem e hoje
Para além do mercado televisivo, o fenômeno pode ser compreendido como
um processo histórico, sociocultural e cíclico, onde ideologias,
capitais financeiros e mudanças comportamentais se reorganizaram e
passaram a atuar conjuntamente. Seu desenvolvimento se iniciou de forma
embrionária na Europa, entre o começo do século 15 até a metade do
século 18, especialmente a partir da acentuação dos conceitos
relacionados à humanidade, a teoria heliocêntrica do mundo e a difusão
do calendário gregoriano.
Em um segundo momento, ainda incipiente, transcorreu também em solo
europeu, entre a metade do século 18 até 1870, período em que se
verificou um aumento de convenções e agências destinadas à comunicação
internacional e tematização do problema do
nacionalismo-internacionalismo. O terceiro momento concentra-se de 1870
até 1920, com o início de competições internacionais, a implementação da
Hora Universal, a adoção quase global do Calendário Gregoriano, a
Primeira Guerra Mundial e a criação da Liga das Nações. Entre 1920 e
1960 a globalização enfrenta sua quarta fase, onde se destaca a luta
pela hegemonia, disputas em torno dos frágeis processos de globalização,
conflitos internacionais sobre as formas de vida e surgimento da
Organização das Nações Unidas (ONU). Mas as incertezas se instaram
durante os anos 60, auge da Guerra Fria, tempo de elevação dos
movimentos sociais globais e de um maior interesse na sociedade civil.
Assim, na globalização acelerada de hoje, um dos traços são os
processos de aquisições, fusões e outras fórmulas de associação dos
capitais. Estas fusões e aquisições desencadeiam-se ao findar a década
de 70, por motivos como a necessidade de ampliar o mercado para
compensar o aumento dos custos fixos, principalmente gastos de pesquisa e
desenvolvimento (P&D), e de aprovisionar em escala mundial certos
insumos essenciais, nomeadamente de ordem científica e tecnológica.
Desde a segunda metade dos anos 80, tais fenômenos têm sido ainda mais
presentes na área de comunicações, por sua posição atual, de provedora
de informações numa sociedade crescentemente vivenciada à distância.
Revelam-se as firmas de comunicações extremamente valorizadas, com seus
ativos sendo reposicionados e aumentando o ingresso de novos capitais,
bem como transferências acionárias, alianças e acordos.
***
[Valério Cruz Brittos e Andres Kalikoske são, respectivamente,
professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação da Unisinos se doutorando no mesmo programa]
Nenhum comentário:
Postar um comentário