Por Cláudio Ribeiro
Frase tantas vezes dita e repetida, o tempo que passa é o tempo que nos resta. O levantamento histórico e documentado do período ditatorial deve ser efetivado sem mais demora.
Se a anistia destina-se à pacificação de ânimos de pessoas atingidas em certo momento histórico por atos ilegais, perseguições, prisões arbitrárias, torturas generalizadas, assassinatos e desaparecimentos, hoje a luta contra a repetição de violências semelhantes e a busca da verdade e da justiça devem andar de mãos dadas.
A importância de esquecer impõe a necessidade de lembrar. Ninguém pode apagar o que não foi escrito, nem se esquece daquilo que não é lembrado. O esquecimento exige o confronto com o passado.
Por essa razão, a revisita à memória dos anos vividos sob a batuta dos tacões militares (e da concepção de segurança nacional ainda decantada em certos espaços institucionais e meios sociais) possibilita recordar e detectar seus fins e seus meios: A ditadura militar não foi implantada no Brasil (e nos demais países da América do Sul) para derrotar o comunismo ou comunistas. Como Hitler na Alemanha, que içou bandeiras contra judeus e comunistas, no Brasil a bandeira do anticomunismo foi erguida apenas para esconder o verdadeiro holocausto brasileiro, a implementação de uma política econômica de subtração de rendas (e riquezas) das classes trabalhadoras através do confisco salarial e da modernização conservadora do campo para transferi-las à elite patrimonialista brasileira.
Se a ditadura veio para isso, como é possível alguém dizer que ela acabou? A política econômica continua, e agora mais protegida, não mais pelos quartéis, mas pelo Banco Central.
Durante o governo Lula, as rendas da classe média foram em grande parte confiscadas para minimizar o sofrimento dos excluídos, mas não teve forças para por o dedo na ferida, o bolso dos ricos e poderosos.
A dívida pública brasileira beira o abismo dos 3 trilhões de reais e neste ano, com a taxa Selic, alçada aos fantásticos 12%, vai custar ao nosso povo algo no entorno dos 300 bilhões. Os juros afundarão a curto prazo todas as possibilidades de crescimento sustentável e aprofundarão as intoleráveis desigualdades em que naufragamos nossas esperanças.
O Erário está a serviço do banquete de banqueiros e rentistas. O controle de informações é tão brutal que, como povo, não sabemos sequer a origem da dívida pública, quem são os credores, se estamos pagando algo que devemos ou alguma coisa cujo pagamento já se multiplicou.
Enquanto não for desvendado o arquivo deste misterioso saque, não saberemos como enfrentá-lo, nem reconstruiremos um caminho de desenvolvimento nacional se não punirmos, e com rigor, esses honoráveis bandidos que assaltam nossos recursos públicos.
Enquanto não for desvendado o arquivo deste misterioso saque, não saberemos como enfrentá-lo, nem reconstruiremos um caminho de desenvolvimento nacional se não punirmos, e com rigor, esses honoráveis bandidos que assaltam nossos recursos públicos.
Não há dúvidas, a ditadura militar entregou a essa elite usurária todo o poder de comandar o Estado brasileiro e as burras nacionais. Além da concentração de rendas e riquezas, a essência doutrinária apregoada pela mídia abriu o coração do Brasil para o transplante das novas condições necessárias às transformações do capitalismo para colocar nossa sociedade sob o jugo dos interesses internacionais concentrados do grande capital, mais tarde regulamentados pelo Consenso de Washington.
Os fins impuseram os mecanismos e instrumentos de dominação (novas formas de colonização), demolindo-se, no limiar, os elementos culturais de raízes populares, desde a música e os cânticos, a literatura como um todo, até a degradação da qualidade dos bancos escolares e acadêmicos para impor uma nova escala de valores éticos (?) e morais (?), como a exacerbação do individualismo, a glorificação da competitividade econômica (para reerguer um dos pilares do regime nazista, o indivíduo produtivo), acarretando, como resultado pedagógico, o incentivo às disputas pessoais.
A perseguição feroz, sanguinária em vários exemplos (o caso Rubens Paiva é paradigmático), as prisões, torturas e assassinatos dos opositores (como se todos integrassem organizações comunistas), a imensa maioria dos quais discordava da barbárie cometida em subterrâneos policiais (como os saudosos Sobral Pinto, Alceu Amoroso Lima, Hélio Pelegrino, Frei Tito de Alencar e corajosos, como Cardeal Arns, fervorosos católicos, além de outros), deve ser investigada a fundo; todavia, isto não basta, porque a sádica brutalidade macarthista dos torturadores e seus mandantes serviu submissamente ao enriquecimento dessa elite ultrajante que tomou conta dos cofres da União.
Este quadro deu início e adubou a violência, a impunidade, a marginalização de amplas camadas da população atingidas pelo desemprego e pela brutal redução da remuneração do trabalho.
A censura e a mordaça (sobre o Judiciário inclusive) foram empregadas com todo vigor e, em alguns e raros casos, com prisões e cassações. O levantamento apurado de todos esses acontecimentos e a punição dos responsáveis (sem sanhas marcadas pela vingança ou revanchismo) são indispensáveis para estabelecimento de um alicerce sólido à construção de um Estado Democrático de Direito, onde as pessoas possam conviver com afeto e solidariedade e não, como hoje, com desconfianças recíprocas, um Estado, onde os crimes sejam punidos sem distinguir as classes sociais dos criminosos, onde os Poderes inerentes à Democracia ajam com absoluta transparência em benefício do Povo e não, de privilégios e privilegiados.
Países como a Argentina e o Uruguai, mergulhados em ditaduras brutais já vivem uma realidade menos violenta porque a História está sendo revista e escrita, os responsáveis, os cabeças e os torturadores mais doentios, punidos. Se os ladrões ainda continuam, quase todos, desfrutando dos bens saqueados.
Nós ainda não conseguimos a prestação de contas do passado recente e, por este motivo fundamental, a anistia com todas as suas repercussões deve ser examinada com os olhos presos nesse dever de contribuir para construir a sociedade programada principalmente pelo artigo 3º da Constituição Federal.
Quem barra a apuração desse violento período histórico? Apenas a cúpula das Forças Armadas? Ou, ao contrário, são os honoráveis bandidos brasileiros que se fartaram de enriquecer durante o regime exercido por militares a serviço dessa elite usurária?
A mais recente e triste decisão do Supremo Tribunal Federal não deve sufocar os que defendem um verdadeiro Estado Democrático de Direito. O Brasil e as razões que impuseram a tristeza daquele julgamento foram condenados pela Corte Interamericana de Justiça. A luta contra o velho regime ditatorial deve continuar, para que este País vença a violência e a impunidade que o assolam, sabendo que ambas são heranças do período de concentração de rendas e riquezas, dos ricos que empobrecem nossa nação escondidos no subsolo das sociedades ainda anônimas, comerciais, industriais, usurárias, nacionais e estrangeiras, que se valeram à farta de torturadores, fardados ou não, para saciar a infinita voracidade dos valores criados no entorno do Capital.
Apurar os crimes de prisões ilegais, sequestros, torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres cometidos pelos governos militares contra integrantes da oposição democrática e popular e, com mais força ainda, investigar a vida daqueles que se enriqueceram ilicitamente às custas do sacrifico do povo e do Estado brasileiros.
Uma investigação rigorosa levará inevitavelmente à outra. Chega de violência. Chega de impunidade. Por uma auditoria real e transparente da dívida pública. Pela punição dos algozes da sociedade brasileira, dos torturadores e seus mandantes e dessa turba de assaltantes dos recursos públicos da Nação.
Cláudio Ribeiro é advogado
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