Há 12 anos, cinco cubanos acusados de espionagem foram presos pela polícia dos Estados Unidos. Inicialmente, o caso gerou repercussão, mas a crescente probabilidade de inocência dos réus foi esfriando a cobertura jornalística. Mesmo assim, os “cinco” foram condenados à prisão, onde estão até hoje
por Maurice Lemoine
Cem policiais! Uma operação digna de Hollywood foi organizada para prender cinco cubanos, em 12 de setembro de 1998, em Miami: Gerardo Hernández, Ramon Labañino, René González, Fernando González e Antonio Guerrero. A ação foi seguida por dois dias de interrogatórios ininterruptos e extenuantes, durante os quais eles não podiam tomar banho ou se barbear. Em 14 de setembro, com roupas amarrotadas e cabelos desgrenhados, eles foram jogados diante de uma multidão de fotógrafos. É com essas caras, parecendo bandidos, que apareceram nos jornais do dia seguinte.
Naquele mesmo 14 de setembro, em entrevista coletiva, o chefe local do FBI, Hector Pasquera, mentiu descaradamente: “Esta prisão é um golpe significativo contra o governo cubano. Seus esforços para espionar os Estados Unidos fracassaram”.
Os homens, que em breve se tornariam os “cinco”, na verdade eram agentes infiltrados em organizações armadas do exílio anticastrista, assim como na sua organização-mor, a Fundação Nacional Cubano-Americana (FNCA), criada em 1981 pelo então presidente dos EUA, Ronald Reagan (1981-1989). Os agen-tes informavam Havana sobre as tentativas de infiltração na ilha e os atentados que estavam sendo prepa-rados.
Imediatamente, em Miami, os jornais Diário las Américas, El Nuevo Herald, Miami Herald, as estações de rádio – Rádio Mambi, La Poderosa etc. –, as emissoras de televisão – Canal 23, Canal 41, TV Martí – fica-ram em polvorosa. Teve de tudo. A palavra “espiões” foi repetida em profusão e continuamente – tudo sob fórmulas estereotipadas e clichês batidos. As declarações fantásticas de funcionários do FBI: “Os detidos são indivíduos perigosos”. As mentiras mais vergonhosas: “Os espiões planejaram sabotagens na Flórida”.
Quando, em 27 de novembro de 2000, começou a seleção do júri, muitas pessoas convocadas se mostra-ram reticentes a integrá-lo, afirmando temer a pressão da mídia e as manifestações violentas dos exilados anticastristas se os acusados fossem considerados inocentes.
No começo do processo, televisão, jornais sérios e tabloides fizeram a cobertura das audiências, esperando encontrar ali o mundo-glamour de James Bond e dos “superespiões”. Decepção. Quando a defesa começou a falar do objetivo antiterrorista dos “cinco”, o The New York Times chamou seu correspondente de volta. Apesar de sua paixão pelas crônicas judiciárias, mesmo que totalmente desprovidas de interesse, os outros jornalistas enviados também tiveram de fazer suas malas.
E os jornais europeus? Se o caso envolvesse uma estrela do show business ou uma personalidade conhe-cida – como o jogador de futebol americano O. J. Simpson, acusado de assassinar a mulher e um amigo em 1994 –, sem dúvida, eles teriam interesse. Mas não era o caso.
Nem o exército dos EUA
Apenas os repórteres dos jornais de Miami ficaram. Até o momento das deliberações, em 4 de junho de 2001, os jurados sofreram assédio e intimidação. Munidos de câmeras e microfones, jornalistas os perse-guiam pelos corredores e pelas ruas – até chegarem a seus carros, cujas placas também foram filmadas.
Enquanto isso, desmascarando a face oculta do exílio, a defesa marcava pontos a cada dia. Militares norte-americanos de alta patente testemunhavam... em favor dos acusados! Nesses casos, não se ouviam comentários. Indignado, Roberto González, irmão de René, um dos réus no processo, cruzou com um jornalista do Miami Herald e desabafou: “Já me falaram de liberdade de imprensa, mas eu vejo que, quando algo nas audiências contradiz a tese do governo, você não publica nada no dia seguinte”. O jornalista pareceu irritado e respondeu: “As pessoas não gostam desse tipo de informação. Elas dizem que eu ajudo a defesa”.
Para quem não acompanhou de perto o processo, é impossível saber que nenhum dos suspeitos obteve ou buscou informações que pudessem prejudicar a “segurança nacional dos Estados Unidos”. Nesse ponto, El Nuevo Herald não se enganou quando divulgou, em 30 de abril de 2001, que “o Ministério Público assegurou que dispunha de provas em abundância a respeito das supostas atividades de espionagem dos acusados. Porém, dezenas de observadores e líderes comunitários se queixam de que essas provas irrefutáveis primam pela ausência e que a defesa parece ter colocado o exílio cubano sentado no banco dos réus... Se as coisas continuarem como estão, esses espiões vão ser colocados em liberdade”.
Uma inquietação que não fazia jus à realidade. Em dezembro de 2001, as penas desmedidas são divulga-das: 15 anos de prisão para René González; 19 para Fernando González; prisão perpétua e mais 18 anos para Ramon Labañino; prisão perpétua e mais dez anos para Antonio Guerrero; e duas prisões perpétuas mais 15 anos para Gerardo Hernández.
Em setembro de 2006, foi revelado que dez jornalistas de origem cubana que trabalhavam na imprensa de Miami foram pagos regularmente pelo governo federal para participar de programas da Rádio e TV Martí – duas emissoras criadas para apoiar a política anticastrista – para realizar operações de propaganda clan-destina. Esses “profissionais” são os que, por meio de seus artigos, contribuíram para criar um clima que cercou o caso dos “cinco”. Entre 27 de novembro de 2000 e 8 de junho de 2001 – isto é, durante o processo –, El Nuevo Herald publicou 806 textos hostis aos acusados, e o Miami Herald, 305.
Hoje, os “cinco” definham nas piores unidades prisionais americanas.
Maurice Lemoine é jornalista e redator-chefe do Le Monde Diplomatique.
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