Acúmulo de tarefas, tirania da reatividade, redundância e pobreza dos conteúdos... Enquanto a Internet favorece o desenvolvimento de uma informação e de um pensamento alternativos, ela também exerce efeitos devastadores sobre a esfera do jornalismo profissional.
por Marie Bénilde
Frédéric Lefebvre, deputado do departamento dos Hauts-de-Seine (região parisiense) merece ser ouvido. Este porta-voz da União por um Movimento Popular (UMP – partido da atual maioria governista) comunica a substância do pensamento da sua agremiação a respeito da mídia. O seu ataque contra a Agência France-Presse (AFP), aos seus olhos culpada por não repercutir a condenação de Ségolène Royal num processo de direito trabalhista, é muito revelador da percepção que o poder tem da influência dos novos meios de comunicação. Segundo ele, a AFP gera um problema ao não divulgar a comunicação do seu partido. Nem tanto em razão da importância desta agência em relação aos veículos da mídia, mais sim quanto a sua capacidade em alimentar com conteúdos os grandes portais na Internet. “A AFP fornece a linha editorial do Yahoo, do Orange, os quais difundem as informações para todos os franceses que navegam na Internet”, considera Lefebvre (1).
De fato, os portais Yahoo, Orange ou Google figuram entre os sites mais consultados na França, junto com os do Le Monde ou do Le Figaro. No que vem a ser uma particularidade desses protagonistas nascidos na Internet ou oriundos das telecomunicações, eles agregam conteúdos provenientes de outros sites de informação e das notícias difundidas pelas agências de notícias, diferentemente dos veículos tradicionais que mobilizam redações dedicadas à sua produção online. Portanto, tal como estão configurados, esses novos suportes não possuem uma linha editorial propriamente dita. Desde o começo de junho de 2008, o site Orange.fr, consultado por 15,6 milhões de visitantes por mês, recorre aos jornalistas do Figaro, de propriedade do senador Serge Dassault, para que estes participem de um programa de entrevistas políticas cotidiano, e à Radio Classique, de propriedade de Bernard Arnault, para alimentar seu espaço com entrevistas com patrões ou atores da economia. A primeira página do portal, que destaca informações sobre serviços, esportes e lazer, delega à AFP.
Fortalecida pelo faturamento da sua poderosa matriz France Télécom (54 bilhões de euros), a Orange tem se posicionado como um veículo completo. O advento deste novo mastodonte cujo financiamento está configurado em torno da publicidade e consolidado pela massa de assinantes da sua oferta de serviços “triple play” (Internet-telefone-TV), ilustra a transformação dos meios de informação na era digital. Pois é retomando o modelo da agregação de conteúdos diversos rumo a uma multiplicidade de suportes que os veículos tradicionais pretendem encontrar sua salvação.
Foi assim que, sob a direção de Jean-Claude Dassier – o diretor de informação, de junho de 2008 a junho de 2009 –, o grupo TF1 articulou uma aproximação entre as redações de TF1, de La Chaîne Info (LCI) e do site LCI.fr com o objetivo de disponibilizar, por meio de imagens e de produções, uma plataforma única voltada para todos os canais.
Já o grupo Lagardère criou a entidade Lagardère News, descrita como uma “nova fábrica da informação”, compartilhada por todas as suas redações e todos os seus sites. As sociedades de jornalistas dos veículos da Lagardère (Europe 1, Paris Match, Journal Du Dimanche, Elle) alertaram para o “risco da diluição da identidade de cada título” em nome de um melhor rendimento e em detrimento da qualidade (2).
Legitimada pela obrigação de fazer economia em grande escala, num momento em que o boom das receitas publicitárias na Internet ainda não compensa as perdas de lucros dos suportes tradicionais, a agregação dos conteúdos, e principalmente do vídeo, gera, seguramente, a maior audiência possível. Mas a que preço? Na iminência da realização de um congresso geral do setor da imprensa, anunciado por Christine Albanel3 para o último trimestre, um novo modelo de jornalista parece estar se implantando. O profissional da informação transforma-se num trabalhador de “multissuportes” e “multitarefas”4. Seja por meio do papel ou da tela de monitor, de um microfone ou diante de uma câmera, ele “fornece conteúdo”, uma paleta de “produtos” da qual uma parte crescente é acessível gratuitamente. Assim, ele é solicitado também a incentivar, enriquecer, e às vezes, verificar o bom andamento das contribuições produzidas no site pelos internautas.
Num futuro próximo, dominar uma câmera digital, utilizar as ferramentas de montagem de vídeo, apresentar e mediar debates num estúdio de TV, tudo isso será muito mais valorizado do que possuir conhecimentos aprofundados em determinados campos ou ser apto em realizar reportagens investigativas. Muitas redações já estão pedindo aos seus jornalistas para contribuírem para o site, fornecendo áudio, vídeos ou informações exclusivas, conteúdo este que é vendido em forma de pacote mensal módico para o usuário (de 48 a 68 euros mensais no Parisien-Aujourd’hui en France), ou até mesmo oferecido gratuitamente (como no Ouest-France).
Teríamos alcançado um novo patamar no exercício da profissão de jornalista? Ao que tudo indica, trata-se de instaurar junto com o usuário dos veículos de mídia uma relação revigorada que incorpore a palavra, o diálogo, um exercício que permaneceu ignorado por um tempo excessivo. A visão vertical de uma voz de autoridade repercutindo seu saber a partir de um acesso quase privativo às fontes (agências de notícias, instituições) seria substituída por um “jornalismo de bate-papo”, conforme explica Pascal Riché, o redator-chefe do site de informação Rue89, que se desenvolve com base na “troca de informações horizontal, aberta, interativa e iterativa” com o leitor5. Enquanto esse tipo de dispositivo pode parecer viável para os novos protagonistas da Web, ele não deixa de implicar em complicações e sobrecargas inéditas para os veículos de comunicação tradicionais. Em primeiro lugar, existe o risco de se criar uma discrepância sempre maior entre jornalistas-orquestras, capazes de tocar as partituras das novas tecnologias, e profissionais (raros) mais aptos em pesquisar e verificar fatos do que em manipular as ferramentas de apresentação e divulgação.
Sem dúvida essa guinada digital é mesmo indispensável para a sobrevivência dos veículos “históricos”. Mas, como no jornalismo tradicional, os efeitos induzidos pela busca da audiência máxima são numerosos e perversos. Tornando-se por sua vez agregadores de imagens e difusores de rumores – tal como ocorreu no site de Europe 1, por ocasião do anúncio prematuro, por parte de Jean-Pierre Elkabbach, da morte do apresentador de TV Pascal Sevran –, os veículos de comunicação cedem àquilo que o próprio Elkabbach, hoje o patrão da Lagardère News, chamava de “a ditadura da emoção” e de “imediatismo da aparência”. A razão disso é simples: a maior parte dos sites de informação receia perder a audiência daquilo que cria o “buzz” – o “burburinho” tão usado como estratégia de marketing – e engendra um valioso e lucrativo volume de acessos por parte dos usuários. Com isso, a imprensa torna-se o principal motor da vulgarização do político e da sua transformação num “show business”, uma tendência que, além do mais, ela denuncia simultaneamente.
Os defeitos do jornalismo online configurado para gerar audiência também podem ser medidos em função de uma completa desregulamentação da profissão. Afogado por uma constante enxurrada de notícias, o profissional recrutado pela sua capacidade de reação instantânea aos impulsos vindos da Internet está brincando de serpente mordendo o próprio rabo: ele repercute o que se sabe, reage àquilo que gera reações. Conforme mostra a produção ininterrupta de notícias mais ou menos anedóticas e de vídeos no site LePost.fr editado pelo Le Monde, a hierarquia da informação não é mais levada em conta num cibermundo em que o que vale é a mais recente notícia inédita. “O que é realmente importante em meio a essa vazão mecânica de notícias?”: esta é sem dúvida a única dúvida que o jornalista da era digital não pode ter. Contudo, o discurso patronal vangloria as virtudes de uma profissão regenerada pela sua aptidão em selecionar e em colocar “conteúdos” diversos nos trilhos. Provavelmente mais à maneira de um chefe de estação de trens que de um motorista de locomotiva. O trem da Internet não espera, mas ninguém sabe para onde ele vai.
Entretanto, o jornalismo digital também motivou o advento de sites independentes que desempenharam um papel próprio no quadro da contracampanha relativa ao referendo europeu de 2005. Ele permitiu o surgimento de canais de informação e de reflexão alternativos ao pensamento dominante que questionam as regras de conivência e subserviência aos poderes capitalísticos, políticos e econômicos. A crise do jornalismo de mercado, a sua desclassificação na opinião pública são imputáveis por uma boa parte ao advento de uma expressão livre e crítica na Internet. Terá esta emancipação condições para influenciar os sites dos grandes veículos de comunicação e para encorajar a impertinência dos seus jornalistas? A dúvida em relação a essa possibilidade é grande, pois o quadro de expressão definido pelos acionistas dessas empresas é demasiadamente estreito.
De fato, os proprietários apostam no acúmulo de audiência nos sites de comunicação abarrotados de espaços para vídeos que atribuem a si próprios a prerrogativa de inventar uma “nova escritura jornalística”. Na realidade, trata-se, sobretudo, de satisfazer a demanda por conteúdos multimídia para computadores conectados em redes de banda larga que obedecem a lógicas próprias das telecomunicações. Esse tipo de configuração dos sites, geralmente criada por diretorias de informática, assim como desvia do jornalismo, também incita à redução dos custos na imprensa. Este é o preço a ser pago, ao menos enquanto as receitas publicitárias na Internet não conseguem reequilibrar a queda dos lucros das publicações em papel – se é que elas conseguirão um dia.
À compressão digital corresponde a uma compressão jornalística: em maio de 2007, o grupo Hearst anunciou a supressão de cerca de 50 postos de jornalista no San Francisco Chronicle, e então lançou seis meses depois um serviço de vídeos financiado pela publicidade no site do jornal. “Os que tiveram de partir são jornalistas extremamente competentes que se dedicam à investigação e à cobertura da verdade, com toda independência e sem medo nem atitudes preconcebidas”, comentou Neil Henry, um docente em jornalismo na Universidade de Berkeley. Os cortes têm sido mais e mais frequentes nas redações dos diários estadunidenses: 200 redatores demitidos no Mercury News de San Jose, 100 no New York Times, e outros 100 no Union Tribune de San Diego. Desde o ano de 2000, a redação do Los Angeles Times passou de 1.200 para 700 pessoas. Quanto a jornalistas, os patrões da imprensa preferem, daqui para frente, os geradores de audiência participativa. Com isso, a indústria das torneiras de comentários tem um futuro radiante pela frente.
Marie Bénilde é jornalista, autora de On achète bien les cerveaux: la publicité et les médias, Paris, Raisons d'Agir, 2007.
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