Para Joseph Stiglitz, movimento quer pouco, em termos econômicos. Mas reivindica democracia não-controlada pelo dinheiro – por isso é revolucionário
Por Joseph Stiglitz | Tradução: Antonio Martins
O movimento de protesto que começou na Tunísia em janeiro e se espalhou em seguida para o Egito e a Espanha tornou-se agora global. Os protestos abraçaram Wall Street e dezenas de cidades nos Estados Unidos. A globalização e as novas tecnologias permitem aos movimentos sociais vencer fronteiras tão rapidamente quanto as ideias. E os protestos sociais encontraram terreno fértil em toda a parte. Um sentimento de que “o sistema” faliu, e a convicção de que, mesmo nas democracias, o processo eleitoral não é suficiente – ao menos, sem forte pressão das ruas.
Em maio, estive no local onde se deram protestos, na Tunísia. Em julho, falei para os indignados da Espanha. De lá, fou ao Cairo, encontrar os jovens revolucionários na Praça Tahrir. Há algumas semanas, falei com o pessoal do Occupy Wall Street, em Nova York [foto]. Uma frase simples, criada por eles, expressa um pensamento comum: “Somos 99%”.
O slogan ecoa no título de um artigo que recentemente publiquei: “Do 1%, para o 1% e pelo 1%”. Ele descreve o enorme aumento de desigualdade nos Estados Unidos, onde 1% da população controla mais de 40% da riqueza e recebe mais de 20% da renda. E os que pertencem a este grupo rarefeito são frequentemente remunerados, de forma extravagante, não por terem contribuído para a sociedade, mas porque são, para dizer de forma franca, bem-sucedidos (e às vezes corruptos) caçadores de rendas alheias.
Esta afirmação não nega que alguns entre o 1% tenha feito contribuições importantes à sociedade. Na verdade, os benefícios sociais de algumas inovações reais (ao contrário dos “produtos” financeiros que acabaram desencadeando destruição na economia mundial) são bem maiores do que aquilo que os inovadores recebem.
Mas, em todo o mundo, influência política e práticas de oligopólio (frequentemente garantidas por meio da política) foram centrais para o aumento da desigualdade econômica. E os sistemas tributários nos quais um bilionário como Warren Buffett paga percentualmente menos impostos que sua secretária – ou em que os especuladores que ajudaram a derrubar a economia global são menos tributários do que os trabalhadores – reforçaram a tendência .
Pesquisas recentes mostram como as noções de justiça são importantes e estão arraigadas entre os participantes dos protestos na Espanha. Eles, e seus colegas de outros países, têm razão de estar indignados. Este é um sistema no qual os banqueiros são resgatados, enquanto suas vítimas são obrigadas a lutar pela sobrevivência. Pior: os banqueiros estão de volta a seus gabinetes, recebendo bônus anuais superiores ao que a maioria dos trabalhadores espera ganhar durante toda a vida, enquanto jovens que estudaram muito e seguiram as regras do jogo não veem perspectivas de um emprego decente.
O aumento da desigualdade é produto de uma espiral viciosa. Os rentistas usam seus recursos para criar leis que protejam e ampliem sua riqueza – e sua influência. A Suprema Corte dos Estados Unidos, deu às corporações, numa decisão que se tornou conhecida como Citizens United, rédea solta para usar dinheiro e influenciar os rumos da política. Mas enquanto os ricos podem usar seu dinheiro para ampliar o alcance de seus pontos de vista, a polícia não permitiu que eu usasse um megafone para me dirigir aos manifestantes do Occupy Wall Street. O contraste entre a democracia ultra-controlada e os banqueiros livres de regulação não passou despercebido. Mas os manifestantes são engenhosos. Eles ecoavam o que eu dizia entre a multidão, para que todos pudessem ouvir. E, para evitar que o diálogo fosse interrompido por palmas, usavam sinais de mão, quando queriam expressar concordância.
Eles estão certos ao dizer que há algo errado com nosso “sistema”. Em todo o mundo, temos recursos desaproveitados – gente que quer trabalhar, máquinas paradas, edifícios vazios – e imensas necessidades não realizadas: luta contra a pobreza, promoção do desenvolvimento e reorganização da economia para enfrentar o aquecimento global, apenas para citar algumas. Nos Estados Unidos, depois de mais de 7 milhões de despejos, nos últimos anos, temos casas vazias e gente sem casas.
Os manifestantes têm sido criticados por não terem uma agenda. Mas esta crítica não compreende o sentido dos movimentos. Eles expressam frustração com o processo eleitoral. Eles são um alarme.
Em 1999, os protestos em Seattle, durante o que seria o início de uma nova rodada de negociações comerciais, chamaram atenção para as falhas da globalização e das instituições e acordos que a governam. Quando a imprensa examinou as alegações dos manifestantes, descobriu que havia verdade nelas. As negociações comerciais que se seguiram foram diferentes – ao menos, em princípio. Elas deveriam levar a uma Rodada de Desenvolvimento, para enfrentar algumas das deficiências sublinhadas pelos protestos. O Fundo Monetário Internacional foi submetido, mais tarde, a reformas significativas. Também os manifestantes pelos direitos civis nos Estados Unidos chamaram atenção, nos anos 1960, para o racismo institucionalizado na sociedade norte-americana. Os traços do racismo não foram superados, mas a eleição do presidente Barack Obama mostra quanto estes protestos mudaram os Estados Unidos.
Num certo sentido, os manifestantes de agora pedem pouco: uma chance para usar seus talentos e habilidades. O direito a trabalho com salário decente. Uma economia e sociedade mais justas. Seu desejo é de evolução, não de revolução. Mas num outro plano, eles estão lutando por algo grande: uma democracia em que as pessoas, e não os dólares, falem mais alto; e uma economia de mercado que entregue o que promete.
Ambas reivindicações estão ligadas. Como vimos, mercados sem regulação conduzem a crises econômicos e políticas. Os mercados funcionam de forma apropriada apenas quando enquadrados por regulações apropriadas, definidas por governos. E estas regulações só podem ser estabelecidas numa democracia que reflita o interesse comum, não o interesse do 1%. O melhor governo que o dinheiro possa comprar já não é suficiente.
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Joseph E. Stiglitz é professor na Universidade de Colúmbia, Prêmio Nobel de Economia (2001) e autor, entre outros, de O Mundo em Queda Livre (Companhia das Letras)
Joseph E. Stiglitz é professor na Universidade de Colúmbia, Prêmio Nobel de Economia (2001) e autor, entre outros, de O Mundo em Queda Livre (Companhia das Letras)
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