sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Esplendor e miséria do jornalismo na era digital








    Em vez de singularizar seus conteúdos para conseguir se diferenciar, os jornais apostam na onipresença e na rapidez. É preciso estar em todo lugar, a qualquer momento, em todas as plataformas e modos de expressão – blog, vídeo, foto, mecanismos de busca –, além de comunidades como Facebook ou Twitter.

por Marie Bénilde
 
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   Em 2006, um dirigente do banco BNP Paribas, que estava entre os convidados do congresso da Federação Nacional da Imprensa Francesa, em Estrasburgo, causou frisson ao declarar que a situação atual dos jornalistas é similar à dos operários da indústria siderúrgica nos anos 1970: estão condenados a desaparecer, mas não sabem disso ainda. Os números parecem lhe dar razão: no final de 2009, na França, mais de 2.300 postos de trabalho haviam sido suprimidos na área.

     O país sofre com uma crise comparável àquela dos jornais americanos, em que mais de 24.500 jornalistas perderam seu emprego no ano passado e cujo número total de funcionários foi reduzido de 415 mil para 300 mil em apenas uma década1.

     Em 2009, o Washington Post teve de fechar seus escritórios fora da capital, enquanto o Los Angeles Times e o Chicago Tribune foram obrigados a recorrer à lei de falências para se proteger. Na França, todos os diários nacionais perderam dinheiro, com exceção da publicação esportiva L’Equipe.

     Não se pode dizer que esse declínio é surpreendente. Segundo a empresa de consultoria empresarial Bain & Company, em dez anos a internet prosperou de tal forma que sua participação nos faturamentos mundiais das indústrias culturais aumentou de 4% para 22%, em detrimento da imprensa, cujos lucros despencaram de 40% para 14% no mesmo período. Enquanto isso, os outros meios de comunicação conseguiram manter e até mesmo consolidar sua rentabilidade global2.

     A transferência dos orçamentos publicitários e dos classificados para a rede é apontada como um dos principais fatores dessa tendência. “Pela primeira vez desde o advento da imprensa de massa, em meados do século XIX, os anunciantes podem prescindir dessa mídia para divulgar seus produtos junto aos consumidores”, apontou o jornalista Bernard Poulet3.

     Além disso, há um desinteresse evidente do público para com conteúdos pagos oferecidos por uma elite jornalística, já desacreditada por suas ideias preconcebidas, seu servilismo em relação a determinadas orientações ideológicas e sua propensão a não se importar muito com as exigências dos leitores, dos quais, contudo, ela espera uma remuneração. Em 2009, as editoras de jornais rejeitaram a ideia de criar um conselho de imprensa, uma instância que coordenaria as exigências do público e intermediaria sua relação com os jornalistas. “Dê poderes aos clientes e eles os assumirão. Evite fazer isso, e você os perderá”, escreve Jeff Jarvis, um célebre blogueiro americano, em seu livro O Método Google 4. Com isso, o posto de jornalista vem sendo questionado por uma revolução digital no âmbito da qual, conforme sublinha Eric Scherer, diretor de estratégia da agência de notícias France Presse, “a criação de utilidade pública é real5”. Isso porque, por mais que a crise da imprensa comprometa a capacidade de investigação dos jornais, ela não provoca um retrocesso da expressão democrática.

Internet participativa

     Pelo contrário, a web participativa – também chamada de 2.0 – leva massas consideráveis de leitores a se apoderarem da informação para se tornarem, também, produtores de fotos, de vídeos ou, ainda, de comentários e análises da atualidade. Do tsunami na Ásia até os motins no Irã, passando pelos atentados de Londres ou de Bombaim, a coleta de depoimentos, dados ou opiniões tende a ser mais compartilhada pelos meios de comunicação on-line, os blogues e as redes sociais. Até mesmo a circulação da informação deixou de ser uma exclusividade dos meios de comunicação tradicionais, que se veem cada vez mais obrigados a atribuir importância a um evento em função de sua repercussão junto aos internautas. Com isso, a internet passou a determinar em parte a agenda da mídia.

     Em vez de singularizar seus conteúdos para conseguir se diferenciar, os jornais apostam na ubiquidade e na rapidez. É preciso estar presente em todo lugar, a qualquer momento, em todas as plataformas e modos de expressão – blogue, vídeo, foto, mecanismos de busca –, além de se comunidades como Facebook ou Twitter. Em 2010, as empresas de comunicação apostam também na propagação dos celulares inteligentes (smartphones), como o iPhone da Apple, que conta mais de 2 milhões de usuários na França. De alguma forma, pretendem arrancar dinheiro de quem acessa a internet móvel em um país onde é muito difícil obter qualquer verba desses usuários, acostumados a não pagar pelo acesso à rede. Além disso, 90% dos aplicativos desses smartphones, incluindo os de atualização de notícias, são gratuitos.

     Quanto aos jornalistas, eles vêm sendo intimados a mostrar mais serviço, ainda que estejam em número sempre menor. O risco dessa obrigação paradoxal de dispersar esforços entre inúmeras tarefas multimídias é o de acabar desviando a atenção daquilo que deveria ser prioridade absoluta: a busca por informações inéditas e ângulos de abordagem originais. Aqui, mais uma vez, estamos diante de uma tentativa de adaptação às práticas digitais muito distante dos conselhos de Jeff Jarvis, que afirma que os jornalistas devem, em primeiro lugar, se dedicar à produção de “conteúdos de forte valor agregado”, próprios para atrair audiência na internet: “Concentrem-se naquilo que vocês fazem melhor, limitando-se a elaborar referências e remissões para o restante6”, diz Jarvis.

     Nunca a informação havia sido tão disponível em tantos suportes, mas nunca a sua produção havia sido tão ameaçada. A crise da imprensa reduz o número de correspondentes permanentes no exterior, limita reportagens e investigações de longa duração, e suprime empregos de redatores e de responsáveis pela checagem de dados. Para lutar contra essa maré, os meios de comunicação tradicionais estão sendo obrigados a unir forças ou a se transformar em usinas de produção barata de informação, como o grupo de Alain Weill (o jornal La Tribune, a rádio RMC, e a BFM TV), no qual atuam jovens jornalistas mal pagos7. E num futuro próximo, o que irá acontecer? “Os jornais atuais não terão outra escolha senão a de associar-se entre si; afinal, o seu conteúdo é idêntico”, martela de maneira tautológica Alain Minc, o presidente da AM Conseil8. Ou seja, após terem incentivado uma forma de banalização editorial com o objetivo de atrair os anunciantes, os jornais passaram a se valer da “rivalidade digital” dos conteúdos, conforme observa Philippe Merlant9, para preconizar o advento de uma nova fase de concentração. Trata-se de uma lógica que conduz inevitavelmente a uma proletarização das redações e a um empobrecimento da qualidade da informação, e que nada fará senão afastar ainda mais o leitor e acelerar o declínio dos jornais pagos.

     E qual será a etapa seguinte? A da desindustrialização? Com o fim do jornal impresso, as empresas poderão eliminar despesas como a compra do papel e a fabricação e distribuição de suas publicações. Findo esse processo, elas esperam recobrar lucros substanciosos. Mas, por enquanto, esse desfecho esbarra na impossibilidade de diminuir os custos de uma redação inteiramente dedicada à web, considerando a desvalorização da audiência on-line num universo de abundância publicitária e a intermediação de distribuidores tecnológicos. Assim, um site de imprensa deve, por exemplo, repassar a metade de seus dividendos com publicidade se o Google for o seu parceiro; e 70% se quiser ter acesso ao software Kindle da Amazon, um leitor de e-books.

     “O pessoal da tecnologia absorveu literalmente o valor[dos nossos conteúdos]10”, lamenta Nathalie Collin, co-presidente da diretoria do grupo Libération. Mas, a situação poderia ser diferente? Rupert Murdoch, proprietário, entre outros, do Wall Street Journal, do Times e do New York Post, ameaça retirar seus artigos do Google em meados de 2010 se o gigante da internet não aceitar compartilhar seus lucros. E, de maneira ainda mais radical, ele faz um apelo a favor da criação de um consórcio de editoras com o objetivo de obrigar os leitores a pagarem pelo que consumirem na internet. Mas ninguém se ilude: Murdoch não retirará seus jornais, a não ser que todos os seus concorrentes façam o mesmo. Ele sabe que informação exclusiva tem validade limitada e que não é possível se proteger da web. Além disso, o Google domina tão facilmente esse embate que lucra de maneira apenas marginal com os sites de imprensa, os quais totalizam apenas de 1,5% a 3% das buscas dos usuários na sua ferramenta de pesquisa.

Alternativas de sustentação

     Nesse caso, como garantir o futuro? A Apple está trabalhando na elaboração de um software de distribuição de publicações da imprensa que para muitos representa a última esperança, já que prevê o pagamento dos artigos on-line no ato da aquisição. Contudo, nada garante que vingue a prática da compra de um jornal pela internet.

     Segundo a empresa de consultoria Boston Consulting Group, 54% dos franceses se dizem dispostos a pagar por informação on-line, sobretudo local, mas com a condição de que o valor não exceda 3 euros por mês. O montante é absolutamente insuficiente para sustentar sites como o Mediapart, que precisa de uma verba considerável para sobreviver. O vento da gratuidade já soprou por muito tempo e é difícil voltar atrás...

     A responsabilidade por essa situação deve ser atribuída mais às editoras de jornais do que aos protagonistas da internet. Em primeiro lugar, porque foram elas que, em busca de melhores condições, optaram por fazer concessões às aspirações editoriais entediantes do mercado publicitário. E também foram elas que apostaram suas fichas no dinheiro da publicidade, impondo a gratuidade de seus sites e dopando sua audiência com jogos e loterias on-line, sem nunca procurar verdadeiramente modelos híbridos. Contudo, a ressaca dos anunciantes hoje tem seu lado positivo, pois contribui para incitar os diretores de jornais a se voltarem para o leitor, libertando-se da dependência publicitária, e para afugentar os proprietários que não veriam na imprensa nada além de uma fonte de lucro.

     Quanto aos jornalistas, só lhes resta tentar reinventar seu futuro. Daqui pra frente, a profissão poderá, quem sabe, se desenvolver em sintonia com os leitores e os especialistas on-line, os quais, por sua vez, acionarão os profissionais, tornando-se “coprodutores” da atualidade. Em relação às novas gerações, para as quais as marcas dos veículos de comunicação são uma referência menor para a validade de uma informação do que a rede de amigos que a transmite, a imprensa tampouco poderá dar-se ao luxo de ignorar suas “comunidades” para atrair o internauta. Os americanos já dedicam 17% de seu tempo na internet aos blogues e às redes sociais, e 0,56% aos sites de jornais on-line.11

Pagar pela informação?

     Já em relação ao modelo econômico, as experiências dos novos sites de informação mostram que é preferível multiplicar as fontes de financiamento: leitores assinantes e loja on-line para o Mediapart, publicidade voltada para as formações profissionais ou prestações de serviços para a sociedade no site Rue 89... Além disso, em breve será possível fazer com que os custos de uma reportagem sejam remunerados em parte pelas comunidades de internautas, pelo intermédio de associações ou de fundações sem fins lucrativos como a Pro Publica ou a Spot US, nos Estados Unidos. Até mesmo a ideia de um serviço público da informação escrita vem conquistando corações e mentes. “A ideia de entregar para o mercado a pilotagem dos produtos da imprensa tem algo de contraintuitivo”, escreveu o filósofo alemão Jürgen Habermas.12

     Numa sociedade digital, a maior exposição à informação tende a favorecer a liberdade e a contribuir para a luta contra as exclusões. Com a condição, entretanto, de que o indivíduo saiba encontrar seu caminho na selva da internet. O perigo que ronda provém do desenvolvimento de dois tipos muito diferentes de informação on-line. De um lado, o volume excessivo, a “infobesidade”, como diz Eric Scherer, com seu oceano de pequenas notícias gratuitas e divertidas que sucedem umas às outras numa vazão contínua, sem hierarquização nem sentido. Do outro, uma informação escolhida a dedo, destinada àqueles que podem pagar o preço que for.

     O futuro de um bem comum tão precioso, se ele tiver mesmo uma real utilidade social, não deveria depender do lucro que ele proporciona aos proprietários de meios de comunicação, nem do desfecho de um eventual duelo entre Murdoch e Google. A circulação da informação, que encontra o seu valor na sua raridade, é por natureza imprevisível. Em 1845, James Gordon Bennett, o fundador do New York Herald, já enxergava no telégrafo uma “nova modalidade de difusão da inteligência”, que arriscava ser fatal para os jornais…13

Marie Bénilde é jornalista, autora de On achète bien les cerveaux: la publicité et les médias, Paris, Raisons d'Agir, 2007.

1     Número divulgado pelo Bureau of Labor Statistics, citado por Market Watch in wsj.com.
2     Estudo da Bain & Company para o Fórum de Avignon, novembro de 2009.
3     Bernard Poulet, La Fin des Journaux, Gallimard, Paris, 2009, p. 31.
4     Jeff Jarvis,
La Méthode Google, Ed. Télémaque, Paris, 2009, p. 50.
5     Eric Scherer, AFP-Media Watch, Observatoire mondial des médias, n° 7, outono-inverno de 2009-2010.
6    
La Méthode Google, ibid, p. 27.
7     Marc Endeweld, “Des chaînes ‘tout info’ bien peu dérangeantes”,
Le Monde diplomatique, junho de 2007.
8     Colóquio Nouveaux Paysages Audiovisuels, Maison de la Chimie, Paris, 22 de outubro de 2009.
9     Philippe Merlant e Luc Chatel,
Médias, la faillite d’un contre-pouvoir, Fayard, 2009.
10   Ver o debate “Google, adversaire ou partenaire”, 4/12/2009, no endereço www.observatoiredesmedias.com
11   Estudo da Nielsen de setembro de 2009, e NiemanjournalismLab, outubro de 2009, citado por Eric Scherer, ibid.
12   Jurgen Habermas, “Il faut sauver la presse de qualité”,
Le Monde, 22 de maio de 2007.
13   “Networks Effects”,
The Economist, Londres, 17 de dezembro de 2009.

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