quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Crianças em disputa: o ataque do capital (1)


    AnáliseSupõe-se que, quanto mais cedo estas crianças forem educadas no projeto da classe dominante menor resistência estas terão

Roberta Traspadini 08/02/2010

    Nos últimos 10 anos cresceu a preocupação dos técnicos dos governos, dos políticos e do capital sobre a necessidade de se projetar cenários para o futuro.

    Esta projeção nos mostra como, no exercício de poder, a classe dominante materializa e projeta para dentro da classe trabalhadora sua idéia de manutenção da ordem.

    Mas por que as crianças da classe trabalhadora? Destacaremos 4 pontos introdutórios para o debate.

1. O futuro exército produtivo

    Segundo a CEPAL, a América Latina possui aproximadamente 600 milhões de habitantes. Destes, 27,3% têm até 14 anos de idade e 33,6% têm de 15 a 34 anos.

    Tomemos como referência apenas o primeiro grupo. Se analisarmos as projeções para os próximos 25 anos, este grupo terá entre 25 a 39 anos de idade.

    Em 25 anos estas crianças já terão passado por um processo de formação ideológica, cultural e política que moldará em muitos sentidos sua forma de ver e atuar sobre o mundo.

    Supõe-se que, quanto mais cedo estas crianças forem educadas no projeto da classe dominante menor resistência estas terão, para assumir sua posição periférica na tomada de decisões em seus territórios.

    É com base nesta relação formal de educar/adestrar para a venda da força de trabalho, que o capital determina o que é importante que as crianças internalizem: as imagens, as brincadeiras, os princípios e valores do consumismo-individualismo e, a concepção de que se destaque o “melhor” em cada ambiente de convívio social.

    Assim se reitera a idéia sobre a melhor escola, o melhor bairro para se viver, a melhor empresa para trabalhar, o melhor sujeito em contraposição aos piores. Piores estes que deverão ser aniquilados do convívio social, em vários processos de prisão e privação.

2. A formação da consciência

    Na formação da consciência burguesa desta futura juventude, não pode haver espaço para questionamentos sobre a ordem.

    O capital só materializa sua formação da consciência, caso domine e adestre. O modo de produção dominante consolidou as bases materiais concretas para desenvolver aparatos técnico-científicos tais que o permita tirar vantagens de sua posição de classe hegemônica.

    A tecnologia e a ciência falarão por si mesmas e ambas não deverão ser questionadas na sua liderança, dada a crescente possibilidade de consumo entregue a todos e todas.

    Também existe a intenção de aniquilar com o sentido do público enquanto se reitera a força do privado, logo, além da conquista do capital sobre o trabalho, deve-se apreender o poder de uns poucos sujeitos sobre muitos.

    Se ainda é possível visualizarmos a importância dos direitos sociais da nossa constituição na atualidade, a intenção do capital é de trabalhar agora para que no futuro estas bandeiras caiam por terra na pedagogia do exemplo. Assim, o sentido do melhor volta com toda força retratado na lógica privada.

3. Um exemplo concreto de projeção do capital.

    No estado do Espírito Santo existe um projeto do capital que atua neste território denominado ES: 2025. Dita projeção com linhas de ação concretas para os 25 anos elegeu o governador anterior Paulo Hartung como o mais bem votado do País.

    A Vale é uma das empresas que atua no Espírito Santo em ação, ONG criada para projetar-executar as linhas de reconstrução do território capixaba.

    A empresa faz uma parceria com algumas escolas públicas e leva as crianças dos centros municipais de educação infantil para conhecerem suas instalações. Disponibiliza o ônibus, os instrutores, explica pedagogicamente o processo a ser apreendido, distribui jogos “educativos” de presente, dá lanche e retorna as crianças para a escola e suas famílias com a certeza de que reproduziu, a partir daquele momento, o diferente e belo na vida daqueles futuros trabalhadores.

    Esta ação concreta mexe diretamente com a formação da consciência tanto das crianças, quanto de parte dos educadores, incluindo seus familiares. Por quê? Para que as crianças sejam as que:

a) Verão naquela empresa a possibilidade de se empregarem no futuro;

b) Desejarão desde já fazer o melhor para serem selecionadas, ou seja, fazerem por onde estar ali;

c) Visualizarão um conceito de sustentabilidade dado pela empresa que disfarça o real vivido. No jogo de montar não se vê minério e sim meio ambiente ecologicamente bem sustentado;

d) Poderão comparar o que têm e projetar o que desejam para o futuro, a partir do que ali viveram. Isto as remeterá inclusive para uma reflexão individual sobre a situação dos pais, dos amigos, do bairro, com o fim de, ou negarem o que têm, ou reforçarem o que querem para saírem do espaço dos que nada têm.

    A Vale projeta, junto com seus pares, um futuro de submissão para estas crianças da classe, cuja aparente certeza de inclusão se constrói sob as bases dos princípios e valores ditados pelo grande capital.

4. O que está em jogo afinal?

    Está em jogo a manutenção da acumulação de capital centrada na exploração do trabalho, fruto de uma perversa dominação de classe.

    Está em jogo o atual consumo da criança associado à inserção futura como trabalhador endividado consciente. Enquanto hoje são os pais os que arcam de forma endividada com o consumo das crianças, amanhã estes trabalhadores já terão internalizado que toda inclusão passa pelo tipo de consumo que são capazes de desejar e realizar.

    Está em jogo a formação da consciência de que não existe outro projeto senão o da classe dominante. Talvez esta seja a mensagem mais clara de todas: a de que só resta para o trabalho, trabalhar para consumir e que a acumulação fica como propriedade privada, indiscutível, de quem emprega.

    Está em jogo eliminar a disputa, as contradições, e colocar no lugar da divergência e do antagonismo um processo de dominação de classe como um projeto único de sociedade.

    Isto não é novo na dinâmica de manutenção da hegemonia capitalista. Quiçá as bases técnico-científicas com as quais o capital ora conta, coloquem outros elementos que dificultam ainda mais a clareza dos projetos e processos em disputa.

Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES.

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