segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Internet, conexão total e isolamento contemporâneo

Dois pesquisadores brasileiros debatem o poder de aproximação social da rede — e seus limites, num mundo em que as tendências à alienação persistem

Raquel Recuero é graduada em Jornalismo, pela UCPel, e em Direito, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Dedicada a pesquisas sobre redes sociais e comunidades virtuais na internet, conversação e fluxos de informação e capital social no ciberespaço e jornalismo digital, cursou mestrado e doutorado em Comunicação e Informação, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é professora e pesquisadora dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e do Programa de Pós-Graduação em Letras, com concentração em Linguística Aplicada, da UCPel.
Luiz Guilherme de Carvalho Antunes, conhecido como Luli Radfahrer, é graduado em Tecnologia em Processamento de dados pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Também é graduado em Publicidade e Propaganda pela Universidade de São Paulo, onde cursou o mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação. Nesta mesma universidade, é professor e realiza uma pesquisa em torno do tema Comunicação Digital e Redes Interativas. Entre suas obras, destacamos O Fim da Idade Mídia (São Paulo: ed. São Paulo, 2009).
Confira a entrevista a seguir.
Em seu ponto de vista, quais são as tecnologias que revolucionaram o mundo? A computação em nuvem estaria entre elas? Por quê?
Luli Radfharer: Há várias tecnologias que revolucionaram o mundo, desde o fogo e a roda. Se nos concentrarmos apenas em tecnologias de interação social, poderemos dizer que tudo o que amplie a expressão, a percepção e a comunicação tem potencial. A computação em nuvem é uma dessas tecnologias. Ao remover a ideia de armazenamento local de dados, ela promove a colaboração ao mesmo tempo que concentra o processamento e as bases de dados nas mãos de poucos. É ao mesmo tempo libertadora e escravizante.
Raquel Recuero: Eu acho dificil apontar, porque, do meu ponto de vista, toda a tecnologia revoluciona o mundo. Mas tem coisas que historicamente demarcaram época, como a “invenção” da escrita, a popularização da imprensa e dos tipos móveis e, agora, da internet, que, para mim, são tecnologias absolutamente revolucionárias porque ampliaram os espaços de circulação de informações, permitindo grandes saltos de desenvolvimento do conhecimento.
Sob quais aspectos essas tecnologias são revolucionárias e ainda prometem mudar mais ainda a vida do sujeito contemporâneo?
Raquel Recuero: Elas já mudaram a vida do sujeito contemporâneo. Nossa realidade só é como é porque foi construída através desses passos históricos. A internet é a que vem mudando mais essa experiência, principalmente por causa da aceleração da difusão de informações.
Quais foram os impactos da mobilidade na sociabilidade e interação entre as pessoas?
Raquel Recuero: Como tecnologias da mobilidade, imagino que você se refira aos celulares e artefatos similares, correto? Bem, eu não gosto muito do termo “mobilidade”, porque dá a impressão que as tecnologias de comunicação eram “paradas” antes. O suporte da informação sempre circulou; vide os livros. Os livros já eram tecnologias “móveis”. Mas de um modo geral, tecnologias como celulares, smartphones, etc., proporcionaram uma maior inserção no universo da chamada Sociedade da Informação. Agora estamos permanentemente conectados, recebendo e enviando informações. Isso contribui ainda mais para o caos informacional contemporâneo, amplificando a necessidade de filtros sociais. Nossas redes sociais, hoje, atuam muito mais como filtros das informações, e sua importância nesse sentido cresce. Por isso, tendemos a selecionar e ativar canais com fins diferentes nos diferentes sítios de redes sociais, dividindo-os de acordo com as funções das redes ali representadas.
Como essas tecnologias reconfiguram as relações interpessoais e com a técnica em si?
Luli Radfharer: A técnica muda primeiro. A novidade precisa ser estável e bem conhecida para se popularizar. As relações vão mudando aos poucos. Começam híbridas, misturando tecnologias conhecidas com as novas até que firmam o pé e saltam de vez para a novidade – agora já bem conhecida.
De que forma a interconexão da internet irá transformar a forma como ela vem sendo usada atualmente?
Luli Radfharer: Acredito que a próxima grande transformação será a das ferramentas inteligentes, a tal internet das coisas. Depois dela deverá vir o momento em que todos poderão construir suas máquinas, da mesma forma como hoje publicamos sítios. Depois disso, nano e biotecnologia farão a diferença.
O que explica a postura de idolatria, euforia e inclusive de ingenuidade de algumas pessoas em relação às tecnologias e sobretudo à internet, por exemplo?
Luli Radfharer: Quando comparada com as tecnologias que a precederam, a internet é imensa e tem um gigantesco potencial. É natural que cause fascínio. Mas isso é perigoso porque nem tudo o que é novo é necessariamente bom. Sem espírito crítico não há como avaliar o tamanho e a importância de cada novidade.
Vivemos um momento de enxurrada de informações. Contudo, isso não significa que podemos falar em comunicação. Além disso, contatos não significam comunicação. Há sentido nas afirmações que mencionam a internet como reduto de pessoas cada vez mais solitárias e individualistas?
Luli Radfharer: Não se pode generalizar. Há um potencial, mas esse isolamento é mais derivado do estilo de vida contemporâneo do que do mundo digital.
As redes sociais promovem uma ilusão de contato? Por quê?
Luli Radfharer: Ilusão nada. O contato é bem real, com todas as vantagens e riscos de qualquer outro contato. Só é menos intenso.
Pode-se falar em um paradoxal aumento de contato entre pessoas mas, também, de isolamento por trás das plataformas tecnológicas? Por quê?
Raquel Recuero: Sempre me perguntam isso. E eu sempre respondo o mesmo: não. Os sítios de redes sociais e as ferramentas de comunicação amplificam as possibilidades de comunicação, mas não as substituem. Eu ter 400 amigos no Orkut não quer dizer nada além do fato de ter 400 conexões informativas. Essas conexões permitem que eu mantenha contato com pessoas que, habitualmente, eu não manteria. Permitem que eu saiba delas e as possa informar. Há vários trabalhos mostrando que o principal papel desses sítios tem sido manter conexões, não criar novas. Ao mesmo tempo, observa-se que essas tecnologias criam novos espaços sociais, permitindo, por exemplo, que eu tenha um espaço de permanente contato – assíncrono – com meus amigos. Há casos de maior isolamento? Com certeza. Mas não sei se podemos dizer que esses casos não existiriam caso não estivéssemos inseridos no contexto em que estamos.





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