Yussef Chahine não reconheceria o edifício preto e branco da estação central do Cairo, cenário de um de seus filmes mais bonitos.1 Gravado em 1958, narra a história do amor impossível entre o pobre Kenaui, manco e simples de espírito, e a bela Hanuna. As transformações do local não se reduzem à mudança da estátua colossal do faraó Ramsés II para o Platô de Gizé: a fachada também foi restaurada e pintada com tinta laqueada, para brilhar sob o sol. Mas, apesar de lustrosa, a entrada do prédio não esconde a desordem do interior, onde passageiros apressados lutam contra o canteiro de obras em plena atividade, andaimes, escombros e poças para chegar às plataformas. O trem para El-Mahalla el-Kubra, “o grande entreposto”, parte às 13h15. Entre os vagões sujos e com vidros opacos – rapidamente tomados pelo formigueiro de gente –, destacam-se apenas dois “melhorados”, ou seja, com assentos reservados e climatização para amenizar os quase 40 ºC. As passagens para esses oásis, no entanto, custam mais caro.
O trajeto de apenas 100 quilômetros até a cidade de destino, ao Norte do Cairo, durou mais de duas horas. Não havia obstáculos naturais, e nenhuma apatia humana pode explicar a lentidão do trem ao longo da planície agrícola do Delta do Nilo, uma das mais férteis do mundo. A vagarosa locomotiva atravessa terras devastadas pela urbanização e demografia galopantes. Mahalla é representativa do processo sofrido pelas cidades egípcias de médio porte (em geral com 500 mil habitantes, 2 milhões na província), que absorveram grande parte do crescimento demográfico diante da saturação do Cairo e de Alexandria. No início do século XIX, Mahalla detinha o monopólio da produção de seda e logo tornou-se um dos centros têxteis do Egito, cuja reputação se deve à qualidade excepcional e à longa duração das fibras de um algodão especial introduzido por um francês em 1817. Enquanto a Guerra Civil Norte-Americana (1860-1865) era um empecilho à importação de produtos norte-americanos por outros países, o Egito se consolidava como um dos fornecedores mundiais de algodão mais importantes.
Em Mahalla, algumas centenas de metros separam a estação da usina de fiação e tecelagem Misr, mas é preciso abrir caminho entre as ruas não pavimentadas, a circulação caótica, os carrinhos de vendedores ambulantes e a frota de jovens trabalhadores de uniforme e echarpes multicoloridas para tomar um ônibus, um trem, um táxi coletivo ou até mesmo um toktok – curiosas charretes motorizadas inventadas na Índia. Apesar de a usina funcionar 24 horas, em três turnos de oito horas, as mulheres trabalham apenas de dia e até às 16 horas.
Capitalismo paternalista e socialismo
“Bem-vindo à cidade da indústria egípcia”, diz as letras garrafais de um painel. A trajetória da empresa Misr está intimamente relacionada aos meandros da história egípcia e de sua política de desenvolvimento. Criada em 1927 por Talaat Harb, fundador do primeiro banco nacional egípcio e propulsor da indústria, as ações da Misr logo foram colocadas à venda e compradas por investidores do Reino Unido, país que ocupava o Egito, apesar da independência de 1922. A empresa seria “egipcianizada” em 1954-1956 com a expulsão dos britânicos do país e a nacionalização do Canal de Suez, mas seria nacionalizada por Gamal Abdel Nasser somente em 1962 no âmbito das “leis socialistas” e da industrialização a passos largos sustentada pela União Soviética. Também é fruto da mesma época a inauguração de usinas de ferro e aço em Helwan e na região da alta barragem de Assuã – construção responsável pela regulagem das águas do Nilo e pelo fornecimento de eletricidade indispensável aos faraônicos projetos da época.
A chegada ao poder de Anwar al-Sadat em 1970 marcou o início da política da infitah(abertura econômica), cujo objetivo era encorajar os investidores privados a liquidar o setor público. Essa estratégia foi acelerada e impulsionada por Hosni Mubarak nos anos 1990 e 2000. Apenas alguns bastiões resistiriam e seriam vitoriosos na luta contra a privatização internacional, entre eles a Misr e outra tecelagem da cidade de Astérix, cujas ações inspiraram o país.
Fazem parte do vasto terreno fechado da usina não só a sala da direção, os escritórios administrativos e os ateliês, mas também o alojamento para funcionários e operários, um estádio, um hospital, um centro teatral e até mesmo uma piscina – serviços acessíveis a todos. As lojas de cooperativas ao redor da usina permitem a compra de alimentos, móveis e roupas a bons preços. Alguns edifícios estão abandonados – e os refeitórios, desativados –, sinal do desinteresse do Estado. Quando se visita o espaço, contudo, é possível questionar se o arranjo é fruto de um capitalismo paternalista emprestado dos britânicos ou de um verdadeiro socialismo derivado do nasserismo.
Seja qual for a resposta, esse modelo suscita uma espécie de nostalgia por todo o país e alimenta as reivindicações não só pela instituição de um salário mínimo de 1.200 libras egípcias,2 mas também pela renacionalização das usinas privatizadas nos anos 2000 em transações duvidosas. A movimentação social por um Estado mais forte já suscitou reações dos Estados Unidos. Em 21 de maio de 2011, Margaret Scobey, embaixadora norte-americana até o início dos levantes, analisou a situação da seguinte maneira: “O retorno às nacionalizações desencorajou fortemente os investimentos estrangeiros. A história prova que as privatizações foram saudáveis, úteis e benéficas no processo de democratização de diversos países”.3
Como seus colegas ocidentais no Cairo, Scobey parece ter fechado os olhos e os ouvidos para os acontecimentos durante os três anos em que ocupou o cargo. Todos os dias, porém, os meios de comunicação publicam informações que poderiam ajudar a embaixadora a compreender os questionamentos dos egípcios em relação à suposta diligência das privatizações. A justiça pronunciou a suspensão das condições de venda da grande rede de lojas Omar Effendi ao setor privado. Os 30 mil pescadores do Lago Burlos, separado do Mar Mediterrâneo por uma estreita faixa de terra, lutam contra a concessão ilegal de vastas extensões da área a industriais da profissão. O príncipe milionário saudita Walid bin Talal, que em 1998 comprou 100 mil feddans(420 quilômetros quadrados) de terras agrícolas na fronteira com o Sudão, teve de aceitar “doar ao povo egípcio 75 milfeddans” – dito de outra forma, devolver parte do que havia roubado.
O primeiro-ministro Issam Charaf descreveu esse acordo com o príncipe como “um encorajamento aos investimentos árabes e estrangeiros por meio de negociações extrajudiciais amigáveis”. O governo – que desistiu de aumentar a taxa de impostos de maneira uniforme para 20% e taxar os benefícios das empresas – e o Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) estendem essas mesmas políticas liberais para o plano econômico. Em 5 de junho, fecharam um acordo com o FMI para um empréstimo de US$ 3 bilhões com as mesmas condições de “equilíbrio” macroeconômico e financeiro. Em relatório de 14 de abril de 2010, esse mesmo FMI aplaudia “a política macroeconômica das autoridades egípcias e as reformas levadas adiante desde 2004”.
As privatizações dos anos 2000 foram pagas pelos assalariados e pela precarização do trabalho de dezenas de milhares de cidadãos.4 Na região de Mahalla, 225 mil pessoas estão empregadas no setor têxtil, mas apenas 25 mil em empresas públicas (23 mil na Misr). Enquanto no setor público a jornada é de oito horas diárias de trabalho, nas privadas são doze horas, sem férias ou benefícios e com um salário composto principalmente de prêmios e bonificações – sem mencionar as crianças de menos de 16 anos, que recebem pagamentos muito abaixo da base salarial.
Num bairro popular de Mahalla, o espaço da Afak Ishtiraki (“horizontes socialistas”), organização ligada ao Partido Comunista, serve de ponto de encontro para muitos sindicalistas dessa cidade onde a esquerda tem influência significativa; uma dúzia de trabalhadores militantes, dos quais dois são mulheres, está reunida na sede da Afak. Bandeiras palestinas enfeitam a sala já decorada com retratos de Khaled Mohieddine (um dos “oficiais livres” companheiros de Gamal Abdel Nasser), do próprio Nasser e de Nabil el-Hilali, um advogado engajado na defesa dos trabalhadores. Nas paredes, um slogan resume a angústia diante da inflação que engole os salários: “Os preços estão em chamas. Levem nossos salários e deem-nos comida”.
“Roubaram-nos o 6 de abril”
Muitos desses militantes foram demitidos nos últimos anos por fazer greve ou ter criado um sindicato independente para combater a submissão da Federação dos Sindicatos Egípcios ao governo. Widdad Dimirdach trabalha desde 1984 na Misr. Com a cabeça coberta por um véu colorido, ela se expressa com determinação apesar das interrupções recorrentes feitas pelos homens presentes. Ela explica sua dificuldade em conciliar a vida de trabalhadora, suas obrigações familiares e as lutas sindicais. A primeira batalha foi travada em 2006 para obter o pagamento de benefícios, e foram as mulheres que interpelaram os homens para juntar-se à luta: “Nós descemos para o pátio e os desafiamos: onde estão os homens? As mulheres estão aqui! E então eles nos seguiram. Desde esse momento, todas as atenções estão voltadas para Mahalla, todos pensam que o futuro depende de nós”.
A Misr, fortaleza operária, como atualmente a Renault na França, encarnou os “amanhãs que cantam” durante a segunda metade dos anos 2000. Contudo, obnubilados pela Praça Tahrir, os meios de comunicação nacionais e internacionais esqueceram as raízes operárias da revolução.5 “Roubaram-nos o 6 de abril”, exclama Dimirdach. Nesse dia, em 2008, eclodiu uma insurreição contra o custo de vida.6 O movimento que lançou o chamado para a manifestação de 25 de janeiro de 2011 havia tomado o nome do “6 de abril” para homenagear essa genealogia.
Mohamed Attar, operário de 45 anos, também participou de todas as lutas e foi vítima das agressões da desmoralizada segurança do Estado, que se intrometia tanto nas eleições sindicais quanto na vida cotidiana da usina – prática estendida a todas as empresas e à vida cotidiana de cada cidadão. “É aqui, em Mahalla, que todas as formas de luta foram inventadas e retomadas em outras partes: ocupação da praça em frente à usina e acampamento; apelo a todas as categorias da população, inclusive aos que vivem nos altos imóveis do Cairo; formação de uma grande frente com todas as forças de oposição, da esquerda aos membros da Irmandade Muçulmana.” Também é nessa cidade que, em abril de 2008, retratos do presidente Mubarak foram rasgados pela primeira vez. Para acabar com o movimento, o regime cortou a internet em toda a região, antes de tentar, em outubro de 2010, um exercício de simulação – “desligar” a rede em todo o país – do qual todas as empresas de telecomunicações participaram de forma complacente.7
Os operários são os atores esquecidos da revolução? “Perguntemo-nos por que, até o momento, as revoltas na Líbia, no Iêmen e no Bahrein ainda não terminaram”, interroga-se Mustafá Bassiuni, num escritório do Cairo onde reina uma atmosfera febril e o ar condicionado congela o visitante. Nesse ambiente, é feito o jornal Al-Tahrir. Especialista em questões sindicais e operárias, ele insiste: “Na Tunísia, o apelo à greve geral da União Geral Tunisiana do Trabalho (UGTT) foi o golpe fatal ao poder. No Egito, o país estava praticamente parado, os transportes não funcionavam. Nos últimos dias, também os apelos à greve política se multiplicaram e mobilizaram muita gente. Em Suez, entre outras cidades, a usina de fertilizantes [que já havia feito greve em janeiro de 2009 para impedir a exportação a Israel durante a operação Chumbo Derretido] deflagrou uma greve política”.8
Será que há dois Egitos, o das classes médias da Praça Tahrir e o do resto do país? “Três. O primeiro deles é formado pelo Cairo, Alexandria e outras grandes cidades, onde os slogans focavam a questão da democracia e da liberdade; o segundo Egito é o das cidades médias e das áreas rurais, principalmente o Delta, cujo foco das reivindicações era o desemprego, a educação e a alta dos preços, ou a crítica a Estados Unidos e Israel; e, por último, o Egito das regiões “periféricas” (o Sinai, uma parte do Alto Egito, Marsa Matruh), onde os questionamentos passavam pela negligência dessas regiões no cenário nacional e pela afirmação da identidade de populações em geral desprezadas pelo poder central”, responde Alaa Edine Arafat, jovem pesquisador que trabalha no Centro Francês de Estudos e Documentação Jurídica e percorre o país de norte a sul e de leste a oeste há dois anos. O que mudou após a revolução? “O movimento conseguiu se livrar das autoridades do alto escalão. Mas as do segundo e terceiro ainda estão lá, com a mesma mentalidade, a mesma cultura”, analisa Arafat.
No Cairo, durante o transcurso das cassações, cerca de trinta jovens advogados realizaram um piquete e entoaram slogans nesse ritmo que, desde a Praça Tahrir, permite a todos e a cada um expressar suas reivindicações: “Livramo-nos de Gamal [o filho de Mubarak], e ainda existem mil como Gamal entre os juízes” – referência ao nepotismo na magistratura. Não passa um dia sem que um grupo reivindique a demissão de um diretor de empresa corrompido ou a destituição de um reitor – no início de junho, pela primeira vez na história recente a Faculdade de Artes do Cairo escolheu seu mestre sem a ingerência do Estado. Nem a hierarquia de Al-Azhar nem a da Igreja copta – ambas comprometidas com o antigo regime – escapam às contestações. No Alto Egito, em Nag Hammadi, os trabalhadores da usina de alumínio se mobilizaram para exigir benefícios e trabalho para seus filhos. Em junho, os trabalhadores da Companhia Canal de Suez entraram novamente em greve para exigir o respeito dos compromissos estabelecidos e a demissão do responsável nomeado por Mubarak. Em seguida, centenas de médicos se manifestaram para reivindicar que a porcentagem do orçamento da União direcionada à saúde passe de 3,5% para 15%.
Nenhuma hierarquia escapa da contestação
Sem coordenação unificada, essas mil e uma rebeliões refletem a amplitude dos problemas acumulados e ilustram os temas debatidos pelo Conselho Supremo das Forças Armadas, pelo governo, pelos partidos políticos e pelos meios de comunicação: a organização das eleições vindouras; a nova lei sobre os lugares de culto; o futuro dos meios de comunicação estatais; o processo jurídico contra os responsáveis pelo antigo regime; o reaquecimento da economia; a reorganização da polícia e das forças de segurança do Estado; a dissolução e eleição de centenas de conselhos municipais; o papel do Exército num Egito democrático; o estatuto das universidades; a adoção de um salário mínimo; a substituição (ou não) de todos os titulares de cargo do alto escalão; as leis sobre a organização sindical etc. Um inventário que deveria dissuadir qualquer ser racional de dirigir o país. Roma não foi feita em um dia, as revoluções tampouco. A amplitude das mudanças necessárias pressupõe ainda muitas lutas – que podem durar anos e para as quais os sindicatos e a esquerda política, fragmentados e enfraquecidos pela longa repressão, devem se organizar.
A Federação dos Sindicatos Independentes instalou-se num modesto apartamento no segundo andar de um imóvel situado na Rua Qasr al-Aini, que desemboca na Praça Tahrir. Em cada ambiente enfumaçado, grupos de quatro ou cinco pessoas discutem; os celulares não param de tocar. Cartazes com representações de um punho fechado ao redor de uma chave inglesa decoram as paredes. Galal Chukri, um aposentado cheio de vigor, encontra um canto livre numa sala já ocupada: “Fui eleito delegado sindical pela primeira vez em 1979 numa empresa de telecomunicações do setor público; em 1987, fui para o conselho de administração. Utilizamos os regulamentos dos serviços públicos para obter melhorias, mas a empresa foi privatizada em 2006, ano de minha aposentadoria. Nessa época, éramos apenas setecentos funcionários, contra os 2.800 de antes”. Chukri engajou-se então com os aposentados que, desde 2004, viam suas pensões estagnar e não contavam com nenhum tipo de defesa ou respaldo jurídico. Em 2008, fundou um sindicato independente com mais de 200 mil membros, mas que não seria reconhecido pelo governo até o dia 25 de janeiro. Com outras organizações, criou também a Federação dos Sindicatos Independentes, que reúne um sindicato das telecomunicações, outro dos funcionários da taxação e o sindicato dos professores. O maior desafio? Organizar milhões de operários que trabalham no setor privado: “Vamos para as cidades novas, para as zonas francas. Criamos estruturas locais para formar nossos militantes. Queremos realizar um congresso nacional em outubro. Tentamos obter o reconhecimento dos sindicatos independentes, mas nossas iniciativas muitas vezes se chocam com as administrações locais, enquanto o Ministério do Trabalho nos apoia”.
Dois dias antes, encontrou homens de negócios para discutir o aumento do salário mínimo, mas os empresários atacaram violentamente sua proposta e o reprovaram por “confundir o país com a Suíça” e questionar seus lucros, enquanto a instabilidade local estabeleceria a necessidade de “um retorno de 50% sobre os investimentos de capital”. Ahmed Borai, ministro do Trabalho e da Imigração, um francófono jovial carregado de diplomas e um dos poucos especialistas egípcios em direito trabalhista – foi consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e professor da Sorbonne, em Paris –, responde calmamente: “Sabe o que acontecerá se falharmos em fixar o salário mínimo? As pessoas ocuparão novamente a Praça Tahrir e queimarão tudo”.
O ministro também quer modificar a estrutura dos salários na qual o fixo representa 20% do total e o restante é composto de bonificações instáveis. “Queremos inverter essa proporção, restaurar o pagamento do seguro-desemprego suprido em 1991, reduzir a provisoriedade do salário”. As 700 libras egípcias que ele propõe para o salário mínimo do setor público – os salários do setor privado devem ser fixados por uma comissão tripartite – estão longe das 1.200 libras (indexadas segundo a inflação) reivindicadas pelos sindicatos... “Setecentas libras... é razoável. Também temos contingências econômicas.”
Em meados de junho, o Conselho Superior das Forças Armadas proclamava que aplicaria sua decisão, tomada no dia seguinte de sua subida ao poder, de proibir as greves – que de fato vêm sendo duramente reprimidas. Contudo, esses movimentos de trabalhadores são limitados e não explicam de nenhuma forma os atuais problemas econômicos agudos do país, gerados não somente pela queda do turismo e pelo retorno de 500 mil trabalhadores à Líbia, mas sobretudo pelas políticas liberais adotadas há décadas. Esse é o “retorno à ordem” que desejam os militares, uma parcela dos islamitas e das forças “liberais”.
“Duas forças se enfrentam. De um lado, o Exército, que fala em nome da revolução para poder acabar com ela. E, do outro, a própria revolução”, resume o escritor Khaled Khamissi, autor de um romance de sucesso, Táxi,9 que narra conversas imaginárias nesse meio de transporte vital para os cairotas, cenário de anedotas e análises do mundo. Apesar do pessimismo de alguns poucos desencantados10 que acreditam na revolução como uma linha “reta como a perspectiva Newski” (Lenin) e esqueceram que os períodos revolucionários podem durar anos, a esperança segue firme no Egito. É o que expressava um cartaz na Praça Tahrir, no fim de maio: “Se pararmos de sonhar, é melhor morrer, morrer, morrer”.
Alain Gresh é jornalista, do coletivo de redação de Le Monde Diplomatique (edição francesa).
1 Bab al-Hadid (Estação central).
2 Uma libra egípcia equivale a 0,12 euro. Porém, essa conversão não permite medir o poder de compra dos cidadãos egípcios. O montante de 1.200 libras (140 euros) é considerado o mínimo para as provisões de uma família de quatro pessoas.
3 Ahram Online, 21 de maio de 2011.
4 Ver Françoise Clément, “Le nouveau marché Du travail, les conflits sociaux et la pauvreté” (“O novo mercado de trabalho, os conflitos sociais e a pobreza”), In: Vincent Battesti e François Breton (orgs.), L’Egypte au présent (O Egito no presente), Actes Sud, Arles, 2011.
5 Ver Raphaël Kempf, “Racines ouvrières du soulèvement égyptien” (“Raízes Operárias do levante egípcio”), Le Monde diplomatique, março de 2011. Publicado na revista Dossiê 06, julho-agosto de 2011.
6 Ver Joel Beinin, “L’Egypte des ventres vides” (“O Egito de estômago vazio”), Le Monde diplomatique, maio de 2008. Sobre a classe operária egípcia e suas lutas, ler o excelente relatório do The Solidarity Center, The Struggle for Worker Rights [A luta pelos direitos dos trabalhadores], Washington, fevereiro de 2010.
7 “Outrage over Exoneration of Egypt Telecomgiants in Communications Shutdowns” (“Ultraje pela impunidade das gigantes das telecomunicações egípcias envolvidas nos apagões da comunicação”), Ahram Online, 1º de junho de 2011.
8 Na reportagem que consagra ao movimento social na Tunísia (“Tunisie, quelle gifle?”,Libération, 11-12 de junho de 2011), Christophe Ayad evoca essa manifestação que, na região de Monastir, seguiu a fiscalização mortal da frota a Gaza (30 de maio de 2010). Iniciada com o slogan “Abaixo Israel”, chega ao fim da crise com com os gritos “Abaixo o sistema do 7 de novembro” (que levou Ben Ali ao poder).
9 Actes Sud, Arles, 2010.
10 A pesquisa de opinião realizada por The International Republican Institute (Salem, Massachusetts), Egyptian Public Opinion Survey (April 14-April 27) [Observatório da Opinião Pública Egípcia, 14 a 17 de abril de 2011], indicava que 89% das pessoas
interrogadas pensavam que o país estava indo na boa direção, levando em conta a má situação econômica ruim ou muito ruim (81%). |
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