Professora Suzana Barbosa (UFBA) sustenta: sociedades ganharão muito, se jornalistas se debruçarem sobre certos números — e o que eles relam a respeito das relações sociais
Por Amanda Lopes, Jornalismo Digital
Milhares de documentos chegaram às mãos dos jornalistas no meio do ano passado. Eram informações bombásticas, vazadas pelo site da organzinação Wikileaks, mas elas eram realmente milhares. Resultado: era preciso lidar com aquele volume de informações e buscar maneiras de usá-las da melhor forma.
O caso do Wikileaks evidenciou o uso dos bancos de dados no jornalismo, algo que está crescendo e representa a “quarta geração” do jornalismo digital para a professora Suzana Barbosa (@suzanabarbosa), do departamento de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Para ela, ainda há muito o que se explorar “em relação à apuração, à descoberta de informações contidas em bases de dados e que podem fazer a diferença em reportagens”.
Suzana estuda o jornalismo digital em bancos de dados a partir de como isso ajuda na construção e gestão de produtos jornalísticos, além das formas de apresentação desse conteúdo.
O Brasil está preparado para isso? Temos bases de dados livres para fazer esse tipo de trabalho? Confira a íntegra da entrevista da professora Suzana:
Quando e por que você começou a estudar o jornalismo feito com o uso de bancos de dados?
Na verdade, sua pergunta me reporta ao início do mestrado [no ano 2000], quando, de fato, comecei a estudar o jornalismo digital. Naquele momento, embora os bancos de dados não fossem o meu objeto de investigação, estavam de algum modo contemplados no trabalho final, a dissertação, a qual centrou-se sobre a informação de proximidade, ou seja, a informação local no jornalismo digital. Abordei, então, como se poderia utilizá los para prover informação hiperlocal.
É no doutorado [2003] que começa, de fato, a minha investigação sobre os bancos de dados no jornalismo. Foi a partir de uma das primeiras disciplinas do doutorado, lendo livros como o “The language of new media” (2001), de Lev Manovich, artigos do professor português António Fidalgo (que veio a ser o meu supervisor de estágio doutoral em Portugal, em 2005), entre outros trabalhos de investigadores espanhóis, que percebi o potencial dos bancos de dados para o jornalismo e passei a ter o assunto como objeto de pesquisa.
Para ser mais precisa, trabalhei no doutorado com o que denomino como Jornalismo Digital em Base de Dados (JDBD). Este paradigma, o qual localizo como característico da quarta geração do jornalismo digital (após a da transposição, da metáfora e da terceira geração) desponta em razão das funcionalidades asseguradas pelas bases de dados (BDs) para a construção e gestão de produtos jornalísticos digitais – os cibermeios – bem como para a estruturação e a apresentação dos conteúdos. Associado a ele está, ainda, a identificação de uma nova metáfora para a representação de conteúdos de natureza jornalística, a database aesthetics ou estética base de dados.
Identifico as bases de dados como um aspecto-chave para a construção de sites jornalísticos, sob o foco de continuidades/remediações, rupturas e potencialidades. Trata-se de um novo status para as bases de dados no campo do jornalismo. As BDs conferem um padrão dinâmico para os cibermeios, em contraposição a um outro estático que havia marcado as etapas anteriores.
No contexto da convergência jornalística, as bases de dados também desempenham papel fundamental, desde o ponto de vista tecnológico, da gestão do fluxo informativo, do ponto de vista da contextualização dos conteúdos e da publicação para distintas plataformas.
Temos, ainda, o que se considera como Data Driven Journalism (Jornalismo Guiado por Dados), que, para mim, está no escopo do que abarca o Jornalismo Digital em Base de Dados.
Esta é uma temática de estudo que muito me motiva. Mesmo após a conclusão do doutorado e, em seguida, com a realização do pós-doutorado (2007-2008), quando continuei a pesquisa sobre o assunto, mais percebo o quanto as bases de dados são um aspecto primordial para o jornalismo e aquele que realmente confere especificidade, junto a funcionalidades cada vez mais novas. Em agosto, iniciaremos na Faculdade de Comunicação, Facom/UFBA, estudos que resultarão em pesquisa aplicada e que também envolverá as bases de dados. Trata-se do projeto Laboratório de Jornalismo Convergente, coordenado por mim e pela professora Lia Seixas, que foi contemplado com recursos do Edital PPP-2010 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia.
Você acredita que o futuro do jornalismo passa necessariamente pelo bom uso dos bancos de dados? Se sim, por quê?
Acredito. Complementando o que disse acima, o desenvolvimento da tecnologia de base de dados e seu acesso cada vez mais ampliado, com aplicações disponibilizadas por cibermeios, entre outros, certamente assegurará novos formatos para os conteúdos jornalísticos. Já temos exemplos nessa área, como o que vêm fazendo sites jornalísticos referenciais, como o guardian.co.uk. A seção “Data” é inovadora e creio que sinaliza um investimento de um grande cibermeio (de ponta) que está preocupado em tornar-se um meio mundial.
A “Data” explora o conhecimento contido nas bases de dados e as novas possibilidades de visualização para a informação ou aquilo que alguns chamam de “data journalism” que, para mim, tem a ver diretamente com as novas funcionalidades das bases de dados no jornalismo. Certamente, muito ainda será preciso desenvolver, principalmente quanto à integração de BDs aos sistemas de gerenciamento de conteúdo para permitir maior suporte ao trabalho de apuração dentro de uma redação, por exemplo, o gerenciamento de bancos de fontes, entre outras funcionalidades relacionadas à criação, edição e publicação de conteúdos.
Infográfico do “Guardian” mostra os soldados britânicos mortos no Afeganistão (Clique na imagem para acessar o original)
No Brasil, que tipo de bancos de dados temos disponíveis e ainda não exploramos no jornalismo?
No Brasil, creio que bases de dados oficiais disponíveis (as do IBGE, Senado, Câmara, assembléias estaduais, juntas comerciais, por exemplo), além daquelas que disponibilizam ONGs como a Transparência Brasil, a Donos da Mídia, entre outras, ainda podem ser muito melhor exploradas. Em geral, costumam ser mais usadas por jornalistas de grandes redações.
Além disso, temos ainda os dos ministérios (como o do Trabalho, Saúde…), o AliceWeb (Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), o do Tribunal Superior Eleitoral e os dos tribunais regionais eleitorais o da Receita Federal, etc.
Em verdade, o processo de apuração tem muito a ganhar com o uso de bases de dados disponíveis online, e, por outro lado, ainda há muito o que desenvolver com relação ao processo de documentação da informação nas redações. Temos bases de dados com os currículos de pesquisadores brasileiros, grupos de pesquisa, bancos de fontes de universidades, entre outras, mas ainda há dados que não estão públicos, o que ainda constitui um entrave.
A tendência é que se disponibilize essas bases de dados, e temos acompanhado o movimento dos que defendem essa abertura. De modo geral, ainda há muito o que se explorar em relação à apuração, à descoberta de informações contidas em bases de dados e que podem fazer a diferença em reportagens, entre outros gêneros para conteúdos jornalísticos. Se há a necessidade de que mais dados públicos sejam disponibilizados, por outro, é também grande a necessidade de formação dos jornalistas para saber como lidar, como trabalhar com esses dados.
Os jornalistas brasileiros estão preparados para usar bancos de dados como fontes? Se não, você pode dar alguns exemplos fora do país? Se sim, pode nos dizer quem?
Sobre essa questão, há jornalistas, principalmente aqueles que são da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) ou os que fazem os cursos ministrados por ela que estão preparados (ou se preparando) e que efetivamente empregam as bases de dados em suas reportagens. Quero lembrá-la que esse é um dos usos das bases de dados no jornalismo.
Há jornalistas que usam as técnicas do RAC na Folha, no Estadão, no Globo. Inclusive, reportagens usando essas técnicas foram premiadas.
Qual a diferença entre o uso de bancos de dados lá fora e aqui no Brasil?
Nos Estados Unidos, assim como outros países europeus, o emprego é muito maior.
É importante lembrar que jornalistas norte-americanos usam bases de dados desde os anos 70, quando elas ainda estavam acessíveis via dumb terminals. O desenvolvimento posterior das bases de dados digitais nos EUA propicia a sua difusão e o seu uso pelo jornalismo acontece via implementação do Precision Journalism(Philip Meyer é o precursor e foi quem cunhou a expressão), em seguida com a Computer Assisted-Reporting (CAR/Reportagem Assistida por Computador) ou o chamado Jornalismo Assistido por Computador. Muitos jornalistas que usaram técnicas da CAR estão entre os ganhadores do Pulitzer.
No Brasil, este é um processo lacunar. Mesmo nas faculdades, muitas gerações não passaram por esse treinamento. Sendo assim, temos ainda muito a aprender com relação a esse emprego das bases de dados.
Que tipo de benefícios ao leitor o uso dos bancos de dados pode trazer?
Se considerarmos o cenário de muitas bases de dados públicas disponíveis, o emprego efetivo no jornalismo beneficiará em muito o público. Além de informação mais contextualizada, precisa, os meios em geral poderão fornecer informação mais importante, que ajude melhor as pessoas na sua tomada de decisões, na descoberta das relações entre notícias, personagens das notícias, entre outros.
Os demais benefícios dizem respeito ao que se poderá ver implementado nos sites jornalísticos, nas aplicações para dispositivos móveis, nos perfis de redes sociais, o que implicará em maior interatividade, maior personalização e, portanto, numa experiência mais envolvente do público com o produto jornalístico.
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