Sociólogo Marcelo Calazans lamenta que plantações de eucalipto sejam consideradas florestas, pois resultam em expulsão de camponeses, morte de animais e uso massivo de agrotóxico.
São Paulo – O sociólogo Marcelo Calazans considera que as plantações de eucalipto trazem consigo uma “injustiça ambiental embutida”. Coordenador no Espírito Santo da FASE, uma organização governamental que luta por direitos sociais e ambientais, ele aponta que os prejuízos provocados pela monocultura de árvores são lineares: “seca a água, expulsa o campesinato, não gera emprego”.
Na última semana, a FASE se somou a uma rede de entidades em todo o planeta para o Dia Internacional de Luta contra os Monocultivos de Árvores, que neste ano coincidiu com o Dia da Árvore. O Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais enviou uma carta à FAO, a agência das Nações Unidas para o direito à alimentação, protestando contra a definição de floresta da entidade. Para a FAO, bosque são as terras com extensão superior a meio hectare dotada de árvores com altura superior a cinco metros. “É uma definição puramente matemática. Como se em uma floresta só existissem árvores”, critica Calazans.
Em entrevista à Rede Brasil Atual, ele aponta que as duas cadeias produtivas que dependem do plantio de eucalipto, as siderúrgicas e as empresas de papel e celulose, são grandes interessadas nas mudanças a serem realizadas no Código Florestal. “Este Código não serve mais como língua para o diálogo das grandes corporações. Ele se tornou um problema porque denuncia o passivo e coloca obstáculos para uma expansão desenfreada.”
Confira a seguir os principais trechos da conversa.
RBA - No Brasil se tem uma questão complexa em torno dos eucaliptos. Como está o quadro atual?
Já existe uma literatura bastante razoável, seja acadêmica, seja de pesquisadores independentes. Se formou um corpo crítico mostrando que onde há monocultura em larga escala de eucalipto de rápido crescimento os córregos secam, não tem geração de trabalho e de emprego, não geram uma economia local. Foge a caça, a pesca desaparece. Graves problemas sociais, ambientais e econômicos. Muitos direitos têm sido violados pela monocultura do eucalipto. Seja no Brasil, seja no Chile, e hoje se expande para Uruguai e Argentina.
No Brasil essa monocultura está associada a grandes projetos industriais. Siderúrgicos, como é o caso de Minas Gerais, uma enorme demandante de eucalipto. E a segunda grande cadeia produtiva é de pasta e papel, mais associada à Bahia, ao Espírito Santo, a São Paulo e ao Rio Grande do Sul. E tem novas fronteiras em Mato Grosso do Sul, Maranhão e Pará.
Esses plantios vêm desde os anos 1960 em larga escala para abastecer esses parques industriais. Já temos cinquenta anos que esses plantios se instalaram nas primeiras regiões. Temos tempo e um histórico passado que permite uma avaliação dos impactos dessa cadeia produtiva sobre o meio ambiente de determinados territórios e sobre a sociedade civil.
RBA – Quais exemplos lhe chamam atenção?
Um caso claro é no norte do Espírito Santo, nas comunidades quilombolas de Sapê do Norte. Antes dos anos 1960 eram 12 mil a 15 mil famílias vivendo na Mata Atlântica e de agricultura. Depois da chegada do eucalipto, de cada cem famílias, 90 migraram. Hoje temos mil famílias, mais de 130 córregos desaparecidos. Um caso emblemático é o da Lagoa de Murici, que fica em uma comunidade de Conceição da Barra. É uma lagoa que foi totalmente coberta por plantios de eucalipto. Essa lagoa desapareceu. No ano passado, a comunidade decidiu retomar essa lagoa.
A empresa esteve de maneira criminosa em uma área de preservação permanente. Plantou não apenas na mata ciliar, mas dentro da lagoa. Pelo atual Código Florestal, é uma empresa criminosa. Por isso mesmo interessa a essas empresas desmontar o Código, para que não se cobre esta dívida ambiental e social.
A comunidade decidiu retirar os eucaliptos de cima da lagoa, o que é um processo dos mais difíceis. Não é como a cultura da soja ou da cana. A monocultura do eucalipto deixa um estrago mesmo depois de sacado esse eucalipto. Porque rebrotam três, quatro novos troncos. Uma área abandonada de eucalipto vira uma área de dificílimo manejo. Os impactos da monocultura do eucalipto são lineares. Seca a água, expulsa o campesinato, não gera emprego.
RBA - Como tem sido a resposta do Judiciário às ações contra o eucalipto?
Existe um processo muito conturbado. No Executivo, no Legislativo, no Judiciário. É muito confuso esse debate porque, na verdade, toda a indústria da madeira não aparece explicitamente como monocultura química em larga escala. Aparecem como plantadores de florestas. Usam o termo para nomear a monocultura de rápido crescimento, que depende de muito herbicida, fungicida. Imagina o sistema agrícola de uma espécie e rápido crescimento. É claramente insustentável.
Todas as políticas públicas do Executivo e os debates no Legislativo, em geral, promovem este setor. Crédito do BNDES, isenção do ICMS. Todas as ações políticas são no sentido de garantir a expansão da monocultura. No Judiciário, as ações que tentam regular esta expansão não passam. Ou, se passam, duram pouco tempo. Algumas prefeituras, especialmente na Bahia, tentaram regular a ocupação do eucalipto, mas o Judiciário nega alegando que é uma discriminação econômica. O Estado, por um lado, criminaliza os movimentos de resistência, e por outro cria as políticas que permitem a expansão. Não temos muito o que esperar do Estado.
RBA - Vocês chamam atenção para a definição da FAO sobre florestas.
É uma definição que acabou guiando todas as demais definições. Essa definição da FAO é a informação para as políticas nacionais de florestas. É uma definição puramente matemática. Conceitua florestas como um coletivo de árvores. Como se em uma floresta só existissem árvores. Qualquer um sabe que em uma floresta tem animais, povos tradicionais, tem insetos, fungos. Uma floresta tem relações que vão para muito além de um coletivo de árvores. Mas é essa definição que norteira as questões ambientais. O Protocolo de Kyoto permite que plantios de eucalipto em larga escala sejam considerados mecanismos de desenvolvimento limpo.
É um setor que sob o nome floresta consegue interferir nas relações de poder e consegue ditar qual será o rumo da política chamada florestal. Para a cidadão, quando se usa a palavra floresta, está indicando um lugar de diversidade, de várias espécies de árvores, de cipós e sub-bosques, e vegetais, povos tradicionais. Existe uma óbvia injustiça ambiental embutida.
RBA - Que efeitos a mudança no Código Florestal terá no monocultivo de árvores?
Está muito claro para a sociedade quem tem interesse em desconstruir o Código Florestal. São as grandes empresas do agronegócio e os ruralistas ligados a elas. Soja, cana, gado e eucalipto. São os interessados. Por que querem desconstruir? Porque o Código fala de uma concepção de floresta que para estes setores causa dois grandes obstáculos.
Um dos problemas é que querem apagar o passivo e a dívida ambiental dos últimos 50 anos. Estão plantando de maneira totalmente errada. Áreas que não poderiam ter sido plantadas. Matas ciliares, nascentes, topos de morros. Estiveram criminosos durante muito tempo e querem uma anistia da dívida. Existe também um interesse prospectivo. Eles querem expandir as áreas. Essa expansão significa diminuir ao máximo as áreas que o Código Florestal protege. O Código Florestal entende a floresta ainda no sentido de bem comum. Cada propriedade, privada, tem este sentido.
Então, este Código não serve mais como língua para o diálogo das grandes corporações. Ele se tornou um problema porque denuncia o passivo e coloca obstáculos para uma expansão desenfreada.
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