Por Rogério Christofoletti em 05/09/2011
Foi uma semana crítica para a equipe do WikiLeaks. Em poucos dias, o
mais famoso site de vazamentos foi hackeado, trocou farpas com grandes
jornais, sofreu críticas globais sobre seus métodos, e ainda viu seu
mentor – Julian Assange – na iminência de sofrer mais um processo, agora do governo australiano. Não bastasse isso, começam a despontar dois concorrentes no mercado de vazamentos: o OpenLeaks, do dissidente Daniel Domscheit-Berg, e a SafeHouse, do The Wall Street Journal.
Apesar de viver sempre com a navalha na garganta, sentindo o cerco se
fechar sobre seu projeto, Assange parece ter o sangue frio dos
enxadristas. A semana foi difícil, mas isso não o impediu, por exemplo,
de participar por teleconferência de um importante evento no Brasil
sobre tecnologia – o InfoTrends
– e disparar contra veículos de comunicação que há pouco tempo eram
parceiros do WikiLeaks. Sempre é bom lembrar: Assange cumpre uma espécie
de prisão domiciliar na Inglaterra, pois responde judicialmente a
diversas acusações, entre as quais a de estupro.
Azedou de vez
O estopim para o mais recente tiroteio foi a divulgação pelo Wikileaks de quase 134 mil documentos, dos quais alguns traziam as identidades das fontes,
contrariando a rotina de vazamentos anteriores. O Departamento de
Estado dos EUA reagiu, argumentando que a publicação colocava em risco
as pessoas mencionadas e prejudicava operações de contraterrorismo.
O procurador-geral da Austrália, Robert McClelland, também se
enfureceu, pois do lote de documentos, constavam os nomes de 23
australianos suspeitos de participação em grupos terroristas do Iêmen.
Para McClelland, a informação “compromete a segurança nacional” de seu
país.
O WikiLeaks se defendeu das acusações, colocando a culpa no jornal britânicoThe Guardian, um de seus parceiros na mídia tradicional no que foi chamado de “maior vazamento público de documentos da história”. Segundo Assange, o livro publicado em fevereiro
pelos jornalistas David Leigh e Luke Harding revelava a senha para
acessar documentos na íntegra, sem ocultação dos informantes. O jornal alegouque
seus jornalistas haviam sido informados por Assange que a senha era
temporária e seria trocada em poucos dias. Verdadeiro jogo de empurra...
No primeiro dia de setembro, Assange voltou a atirar, descarregando agora também contra The New York Times,
outro ex-colaborador. Segundo o mentor do WikiLeaks, os grandes
conglomerados de mídia estão mais comprometidos com os governos de seus
países do que com os interesses dos leitores. Na sequência, o WikiLeaks
publicou o lote de 251 mil documentos da diplomacia norte-americana –
aquele do maior vazamento do mundo – em versão não-criptografada,
colocando mais gasolina na fogueira.
Quatro de seus parceiros na imprensa – The Guardian, The New York Times, El País e Der Spiegel – trataram de condenar a ação,
eximindo-se de qualquer responsabilidade. Ao que tudo indica, acabou o
casamento entre o maior site de vazamentos e alguns dos mais influentes
veículos de comunicação mundial. Azedou de vez a relação entre o
resultado de uma nova cultura de tratamento da informação surgida com a
internet e os meios midiáticos tradicionais.
Cenário em ebulição
Mas é preciso entender alguns aspectos dessa novela. O primeiro é que o
WikiLeaks não tem os mesmos compromissos que a imprensa ou órgãos
governamentais. Não se pode esperar que opere com as mesmas preocupações
de preservação de fontes. O WikiLeaks parece não manter esses
compromissos, e – claro! – corre o risco de ser considerado
“irresponsável” e “negligente”. Por outro lado, os cinco parceiros na
mídia convencional sabiam que pouco poderiam confiar no site de Assange.
Cresceram os olhos com o volume das informações exclusivas a que teriam
acesso, e se arriscaram na joint-venture. A decisão não foi
apressada; a costura da parceria demorou meses. Foram ingênuos? Difícil
afirmar que alguém nesse episódio esteja isento de responsabilidades.
O fato é que a sequência de capítulos traz à tona – para além de nomes e
relatos – questionamentos sobre os limites e os compromissos que devem
ter aqueles que detêm informações estratégicas. Pode-se pode colocar
vidas em risco por conta da divulgação de dados? O que vale mais: o
direito à vida ou o direito de ser informado? Quem define a
preponderância de um sobre o outro? Quem deve garantir cada um desses
direitos? A quem cabe zelar pela integridade dos informantes? De que
forma sites como o WikiLeaks devem se orientar nesses casos? Os
critérios jornalísticos valem para organizações não-jornalísticas?
Na nova ecologia comunicacional, não existem apenas os dinossáuricos
jornalistas e suas paquidérmicas organizações de informação. Outros
animais midiáticos também compõem a fauna, e dividem os recursos e o
território. Julian Assange e o WikiLeaks são espécimes recentes, sem
catalogação ainda. Conviver com estranhos assim, num cenário em
ebulição, é desafiador não apenas para quem trabalha nas redações ou no
serviço diplomático. O público – de forma muito sábia e silenciosa –
assiste à reacomodação das forças.
***
[Rogério Christofoletti é professor da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do objETHOS]
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