Hipótese a investigar: alguns dos que se “escandalizaram” com a
queda de juros esperavam ganhar muito com manutenção da taxa — e podem
ter se acostumado a receber informações privilegiadas do Banco Central
Por Luis Nassif
A decisão do Banco Central de reduzir a taxa Selic em meio ponto
desmascarou pela primeira vez um dos mais deletérios e antigos
personagens da vida econômica brasileira: a “confraria dos juristas”, um
grupo que inclui algumas consultorias econômicas, alguns economistas
ligados a bancos, aliados a alguns comentaristas econômicos formadores
de opinião na velha mídia, que nos últimos anos conseguiu se apropriar
completamente da política monetária do BC.
Não se trata do mercado como um todo, mas de um grupo que jogou com
informações privilegiadas, ganhando em cima dos demais segmentos do
mercado.
Vamos por partes.
O mercado futuro de qualquer ativo embute uma aposta e dois
apostadores. Digamos que o preço futuro esteja em 100. O apostador que
acha que o preço vai para 105 “compra” o contrato a 100; o que acha que o
preço vai cair, “vende” o contrato a 100. Se o preço for a 105, o que
“comprou” a 100 ganha a diferença de 5; o que vendeu a 100, perde a
diferença. Portanto, há sempre um lado que ganha e outro que perde.
O ponto central desse jogo, a ser garantido pelas autoridades
reguladoras (BC), é a isonomia das informações. Ou seja, todos os
agentes têm que ter acesso às mesmas informações. A desobediência a essa
regra caracteriza o “insider information”, a informação privilegiada,
tipificada como crime financeiro, obrigando à interferência do
Ministério Público e da Polícia Federal.
***
Nos últimos dias houve uma grita infernal da “confraria dos
juristas”, sustentando que o BC tinha perdido a credibilidade, que não
conseguiria mais articular as expectativas do mercado.
Como assim? Antes da reunião do Copom houve queda nas taxas futuras
de juros, significando que o mercado, por maioria, havia assimilado os
sinais do BC e apostado na queda de juros. Quem não apostou foi um
segmento específico que poderia ter ganhado milhões caso o BC tivesse
mantido a taxa Selic. E ganhado milhões em cima dos que achavam que a
taxa ia cair.
***
Por que essa minoria barulhenta achava que os juros permaneceriam
imóveis, se a maioria do mercado, analisando os sinais do BC, apostava
na queda? Porque essa minoria julgava ter informações que a maioria do
mercado não tinha. Na verdade, sempre trabalhou com informações
privilegiadas do BC.
No período de Henrique Meirelles, denunciei algumas vezes reuniões de
diretores do BC com economistas de mercado. Não eram reuniões abertas a
todo o mercado. Participavam dela o mesmo conjunto de economistas que
têm mais vocalização na velha mídia, as fontes preferenciais, justamente
aqueles que estão berrando contra a decisão do BC.
***
Com a decisão do Copom desta segunda-feira, desnudou-se o jogo. Há o
mercado em si e, nele, a confraria dos “juristas”. E os ganhos desse
pessoal se dava em cima dos demais agentes do mercado, baseados em
informações privilegiadas que recebiam do BC.
***
Portanto, a partir de agora não se fale mais do “mercado”
genericamente, nem de “porta-vozes”. Todo esse coro de lamentações
ouvido nos últimos dias ajuda a mapear os elos dessa confraria de
“juristas”.
Seria bom que autoridades em geral começassem a olhar com mais presteza esse jogo.
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